Jerônimo Lima

Jerônimo Lima

Jerônimo Lima é CEO da consultora Mettodo, consultor organizacional e coach certificado internacionalmente. Há muitos anos que trabalha na área da gestão de conhecimento e recentemente focou o seu trabalho de doutoramento no impacto das comunidades de prática nas empresas. Enviei-lhe algumas perguntas a que, gentilmente, respondeu por escrito.

A sua tese de doutoramento foi sobre o impacto das “comunidades de prática na capacidade absortiva em empresas intensivas em conhecimento”. Resumidamente, quais as 5 principais conclusões do seu trabalho?

1) Comunidades de Prática (CoPs) geram impactos positivos e contribuem diretamente para as dimensões Aquisição e Assimilação da Capacidade Absortiva Potencial, mas pouco contribuem para as dimensões Transformação e Aplicação da Capacidade Absortiva Realizada.

2) Isso sinaliza que CoPs são uma excelente ferramenta de gestão do conhecimento para que as empresas possam realizar melhor seus processos de Capacidade Absortiva pela busca e disseminação de conhecimentos, embora não contribuam diretamente para a transformação e o uso desses conhecimentos externos para a geração de inovação.

3) A natureza operacional dos processos das CoPs prejudica o refinamento das informações e conhecimentos adquiridos e assimilados para adequá-los aos processos e rotinas da empresa, de modo a facilitar a disseminação e combinação dos conhecimentos prévios com os novos conhecimentos adquiridos e assimilados, melhorando os processos empresariais.

4) CoPs são ótimas ferramentas de gestão do conhecimento e aprendizagem organizacional à medida que buscam e internalizam conhecimento que gera aprendizado situado na prática.

5) A maior contribuição das CoPs em empresas intensivas em conhecimento diz respeito à sua capacidade de servirem como fontes internas de obtenção de informações e conhecimentos externos.

O que é que as organizações deveriam fazer para tirar partido destas suas conclusões? Isto é, como é que as organizações se deveriam adaptar para tirar partido das comunidades de prática?

As empresas parecem não ter um direcionamento claro para suas CoPs, em especial para as CoPs espontâneas. As empresas também não têm certeza do valor de CoPs e assim não as direcionam, não terminando com elas nem as apoiando diretamente. Os moderadores/gestores entrevistados na minha pesquisa acreditam que, se as empresas realmente apoiassem suas CoPs, poderiam obter delas mais benefícios e utilizar seu potencial para inovar nos produtos e serviços, o que atualmente não corre. Esse fato é mais fortemente percebido nas empresas públicas.

A falta de reconhecimento da empresa e dos funcionários, aliada à motivação individual que leva as pessoas a participarem de CoPs, contribui para que essas se encontrem, em sua maioria, no estágio no qual não existe comprometimento total nem das pessoas nem das empresas. Segundo os entrevistados na pesquisa, é necessário que as empresas definam o papel das CoPs para que as mesmas consigam avançar para estágios posteriores do seu ciclo de vida. Mas, apesar da falta de apoio e reconhecimento, CoPs existem há vários anos dentro das empresas, o que pode ser explicado por um crescimento constante das empresas em termos do número de funcionários, e com isso alimentando uma necessidade de equalização e compartilhamento de conhecimentos.

As CoPs propiciam benefícios que podem ser mensurados, como menor custo de capacitação, utilização de novas ideias e tecnologias para resolução mais ágil de problemas da rotina e padronização dos processos. Esses benefícios, mais facilmente mensuráveis, poderiam ser avaliados pelas CoPs como forma de demonstrar o seu valor para as pessoas e para as empresas. Com esse intuito, poderia ser utilizada uma combinação de métricas quantitativas e qualitativas, com foco nos objetivos das iniciativas, o que poderia ajudar as empresas a perceber o valor de CoPs.

Quais as grandes dificuldades que as organizações enfrentam no que diz respeito às comunidades de prática?

As CoPs estudadas apresentam uma estrutura similar, contando com um time central mais ativo e um segundo perfil de participantes mais periférico (lurkers). Os membros periféricos participam de alguns eventos, treinamentos e atividades das CoPs, mas a grande maioria não participa das atividades de planejamento e das atividades mais regulares das CoPs. Segundo todos os moderadores/gestores entrevistados na pesquisa, a motivação das pessoas em participar das CoPs é predominantemente de caráter individual, não sendo citada pelos entrevistados nenhuma motivação voltada à empresa, embora a mesma tenha benefícios com a atuação das CoPs, mesmo quando elas são espontâneas.

A visão e a valorização por parte dos membros acontecem de forma individual, o que dificulta iniciativas coletivas e faz com que as atividades de planejamento e interação do dia a dia fiquem cada vez mais concentradas no time central mais participativo.

Predominam, nas atividades de CoPs, as voltadas à aquisição, assimilação e compartilhamento de conhecimento, e não às voltadas para a criação de novos conhecimentos, o que influencia diretamente a inovação pelas CoPs. Isso gera uma relativa estagnação no desenvolvimento de CoPs e de seus respectivos domínios de conhecimento impedindo que atinjam todo o seu potencial, o que poderia trazer mais benefícios para os indivíduos e as empresas. Em parte isso ocorre porque as empresas criam ou aprovam a existência de CoPs, mas não disponibilizam recursos financeiros para seu funcionamento, o que é percebido pelos membros das CoPs como falta de apoio. No caso de CoPs espontâneas, a gestão das empresas acredita que não deva interferir no seu funcionamento e essa é a justificativa apresentada para o pouco apoio. A falta de interesse e apoio da empresa contribui para que a motivação das pessoas em participar de CoPs seja apenas individual. Isso cria um círculo vicioso no processo de CoPs.

A pesquisa mostrou que a motivação das pessoas em participar de CoPs está mais relacionada a aprender do que a efetivamente compartilhar e desenvolver o conhecimento. Aparentemente, as pessoas participam quando existe alguma lacuna no conhecimento que precisam desenvolver, mas não seguem participando quando o domínio do conhecimento atual finalmente se estabelece. Parece existir uma falha de comunicação entre o time central e os outros participantes de CoPs, visto que, apesar do time central esperar mais participação dos membros periféricos, isso não é comunicado de forma mais efetiva. A não valorização por parte das empresas, a falta de disponibilidade de tempo e a motivação individual, fazem com que CoPs não consigam investir no desenvolvimento de novos domínios de conhecimento, de forma que não atingem seu potencial nem trazem para as empresas mais benefícios a longo prazo.

O seu trabalho explorou / considerou o papel da tecnologia nas comunidades de prática? Qual a sua opinião sobre o assunto?

CoPs virtuais ou mistas (que atuam em parte virtualmente e em parte presencialmente) são mais efetivas, à medida que disponibilizam mais facilidade de mobilidade e participação aos seus membros, além de ambientes wiki para repositórios de dados que auxiliam na legitimação da participação periférica dos novatos.

Quais as principais diferenças que encontra nas comunidades de prática totalmente online (isto é, em que os membros da comunidade só interagem no mundo digital)?

Mais rapidez na legitimação dos novatos e maior facilidade de acesso à documentação das CoPs. Maior assiduidade na participação dos membros que necessitam se deslocar se seu habitat usual de trabalho.

Você tem vindo a trabalhar com a gestão de conhecimento há muitos anos. Sente que as organizações hoje estão mais ou menos abertas à gestão de conhecimento?

Sim, mas ainda não entendem bem o significado do termo abrangente “gestão do conhecimento”, necessitando de um roadmap para diagnosticar conhecimentos estratégicos para os quais há prioridade de estabelecerem processos para atividades sistemáticas que levem, de fato, à gestão do conhecimento para que isso se traduza em geração de valor para os stakeholders.

Acompanhei de perto os primeiros trabalhos bibliográficos sobre gestão de conhecimento no Brasil. Na altura era claro que a gestão de conhecimento era liderada na maioria das vezes pelo departamento de Recursos Humanos e que pendia muito para as questões da capacitação, formação e gestão de competências. Isso mudou?

Sim, houve um deslocamento desse tema para outras áreas, envolvendo principalmente estratégia, tecnologia de informação e recursos humanos, de forma sistêmica. Foi um avanço que se deveu graças à introdução do tema nos cursos de pós-graduação em praticamente todas as médias e grandes universidades brasileiras.

Quais os aspetos da gestão de conhecimento a que as organizações dedicam hoje mais atenção?

Por influência da academia, muitas empresas que estão em parques tecnológicos passaram a trabalhar com o tema da capacidade absortiva, direcionado à questão da inovação e também à criação de startups em todas as áreas, especialmente às ligadas à economia digital. Mas há grande preocupação das empresas de setores mais tradicionais com questões relativas à capacitação e desenvolvimento de pessoas, big data & analytics para business intelligence, estratégias de oceano azul, design thinking. O Brasil é um país de vanguarda na gestão de suas empresas.

O Brasil está a atravessar tempos muito difíceis do ponto de vista político, mas que, obviamente, têm impacto em todos os setores da sociedade e da economia. Acredito que haja muitas organizações a pôr de lado a gestão de conhecimento porque há outras prioridades ou porque esperam um momento de menos incerteza. Qual a sua posição em relação a isto, Jerônimo? O que diria a estas organizações?

O País está passando a limpo sua política, da mesma forma que nações mais desenvolvidas fizeram ao longo de sua história, conforme amadureceram, educaram seu povo. Nossa nação sairá fortalecida desse processo de educação, em especial os jovens que estão presenciando o que está acontecendo. Eu tenho sido convidado para dar palestras e me manifestar, por todo o Brasil, sobre o que penso que as empresas devem fazer nesse momento. Minha remendação é que se dediquem a criar práticas de compliance e a trabalhar com foco em BPM – Business Process Management. Uma profunda análise e melhoria de processos vai preparar nossas empresas para superar a crise econômica e torna-las mais competitivas para atuar no mercado internacional. Enfatizo que o foco deve continuar sendo a clara definição de seus nichos de mercado, a clara identificação dos problemas de seus clientes-alvo nesses nichos, a oferta de produtos e serviços que resolvam esses problemas e o uso de tecnologia para atuar com adaptabilidade, de maneira ágil, visando ao desenvolvimento sustentável e à satisfação dos seus stakeholders, sempre pensando na aprendizagem organizacional e inovação.

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