Paulo de Carvalho terminou recentemente um período de “21 anos dum universo cooperativo com experiência internacional”. Foi um contexto que lhe deu as fundações e a motivação para agora abraçar um ambicioso projeto onde quer “prototipar uma nova forma de fazer consultoria de transformação”. Traz uma bagagem de gestão de conhecimento que quer agora aplicar, bem temperada com uma série de outras referências como o modelo Cynefin ou a Teoria U.
Paulo, “Ripples of the New”. O que é isto?
O “Ripples of the New” é uma experiência. Esta afirmação incorpora dois aspetos:
- da investigação, seguindo os princípios de “action research”, gosto de pensar que cada um dos participantes inicia uma jornada de investigação, de si próprio e dos seus contextos de ação;
- é uma experiência, um processo, focado na ação e onde se exploram novas formas de pensar, inovar, liderar e se ganha acesso a uma fonte de sabedoria e criatividade que existe latente em cada um de nós.
O processo leva-nos a um espaço onde o cenário de um melhor futuro possível se torna palpável, suportando depois um processo de “empreendedorismo” sentido lato, onde o futuro é validado e trazido para o presente.
Onde é que encaixas isto? Formação? Consultoria? Desenvolvimento?
Estou consciente que esta linguagem acima é difícil de capturar, por isso podemos assumir que é também uma Formação, com vista ao desenvolvimento Vertical (mais do que desenvolver soft skills, crescemos como pessoas).
Queremos também prototipar uma nova forma de fazer consultoria de transformação: a transformação tem que ser um processo guiado pelos intervenientes diretos. Hoje é facilitada por agentes externos. O processo cria o contexto que promove a mudança. Um exemplo simples: conseguimos suster uma prática de exercício se nos envolvermos num grupo de amigos que promove essa prática.
Vês isto mais numa ótica de desenvolvimento pessoal ou consideras que pode ter impactos significativos para as organizações?
Sobre o desenvolvimento vertical, este é um ponto central deste processo.
Para quem conhece o trabalho de Piaget, Piaget, ao estudar o desenvolvimento da criança, propôs 4 níveis de desenvolvimento que levam a criança até á idade adulta. Hoje existem vários autores que observam outros tantos níveis de desenvolvimento na idade adulta.
Na verdade, a sociedade parece ter parado no 4º nível de desenvolvimento de Piaget. Por isso, falar de desenvolvimento de soft skills é absolutamente redutor. O diálogo é anda hoje em torno do termo “desenvolvimento humano” – que inteligências e competências devemos desenvolver.
Este desenvolvimento é hoje fundamental para qualquer organização. O mundo incerto, volátil, complexo e cheio de contradições assim o exige.
Hoje, nas organizações que conheço (e eu tenho um contexto de 21 anos dum universo cooperativo com experiência internacional), poucas pessoas têm um entendimento sistémico dos seus contextos, conseguem gerir a dualidade (viver bem com opostos), ou têm agilidade mental para fazer evoluir o seu entendimento do mundo quando informados pela realidade. Diria que vêem sempre a realidade por detrás dos óculos do seu modelo mental.
A que desafios e necessidades organizacionais é que o Ripples of the New pode dar resposta?
Existem dois aspetos ligados com os desafios acima que são temas centrais ao Ripples of the New e fundamentais para as organizações de hoje.
O primeiro é a capacidade de verdadeiramente sentir e fazer sentido do que está a acontecer, e atualizar o pensamento em função disso. Como exemplo podemos olhar para os processos de transformação digital. A maioria das organizações não entende as mudanças de paradigma, as mudanças de “why” que comportam. Alguns fenómenos deste tipo têm face visível em empresas como a Uber, AirBnB ou Tesla. Estas parecem aparecer do nada, com uma escala exponencial e um surpreendente impacto junto dos grandes players instalados.
O segundo versa sobretudo sobre a capacidade para agir perante a incerteza, ambiguidade e complexidade. O modelo Cynefin desenvolvido pelo David Snowden simplifica o entendimento do quadro operativo de qualquer organização em quatro quadrantes. As organizações operam fundamentalmente nos dois primeiros: o espaço previsível e estruturado do qual uma linha de montagem pode ser o exemplo e o espaço complicado onde especialistas resolvem as questões com uma mente focada no problema. Mas todas são convidadas a entrar num espaço complexo, onde têm que ser ágeis, confiar na intuição, prototipar e experimentar, amplificar o que funciona e aprender com o que não funciona. Exige a criação de contextos de colaboração, aprendizagem e experimentação. Obriga a uma nova cultura onde não errar passa a ser sinónimo de estagnação e o erro faz parte do processo.
Por curiosidade o ultimo quadrante é o Caos. Vamos ter que aprender a gerir estas situações. Dou três exemplos para reflexão: a Cidade do Cabo na África do Sul vive numa realidade de forte racionamento de água e corte eminente. A erupção de um vulcão parou o fornecimento de discos e memórias a nível mundial. Os incêndios em Portugal, podem ser vistos sobre este prisma.
Baseaste este teu conceito na Teoria U, um método de gestão de mudança desenvolvido por Otto Scharmer do MIT. O que te cativou nesse método? De que forma o usaste para desenhar esta tua abordagem?
Sim, o trabalho do Otto Scharmer é profundamente inspirador. A Teoria U é o melhor modelo que conheço para entender e facilitar transformação profunda e sistémica.
O processo do Ripples Experiment descreve um U, tal como é sugerido na teoria. Assim os participantes experimentam o processo que são convidados a utilizar. Quebramos o ensinamento que muitos tivemos enquanto crianças do “please don’t try this at home” (não tente isto em casa) para o “it is imperative that you try this at home” (é obrigatório tentar isto em casa).
Que outras inspirações te serviram para pensar o “Ripples of the New”?
Em primeiro lugar, esta é uma ideia que foi encubada a três, co-criada pelo Allan Sousa e Nuno Silva. Não seria possível sem eles, inspirada no trabalho de muitos outros, em Portugal e não só. É uma ideia de rede: a nossa metáfora é do movimento que a chuva faz sobre um espelho de água, cada pingo gera pequenas ondas que não se anulam, mas se amplificam. Enriquecemos depois este processo com outros elementos igualmente relevantes: Design Thinking, Effectuation Theory, Meaningful Innovation, Observação Fenomenológica, Embodied Learning usando Social Presencing Theory.
Paulo, conheci-te há algum tempo pelo trabalho que desenvolveste na Vodafone no âmbito da utilização de uma plataforma digital social para retenção e partilha de conhecimento entre membros da tua equipa de suporte. Aliás, apresentaste-a na 2ª edição do Social Now. De que forma é que esse teu trabalho foi, ele mesmo, uma experiência?
Foi talvez a minha primeira experiência em escala. Foi abordada dessa forma. Na altura estava em pleno processo de Doutoramento e o meu interesse pelos temas do conhecimento, aprendizagem e colaboração já estava presente. Embora o meu modo de olhar para o mundo esteja em permanente evolução, continuo a retirar enormes aprendizagens desse processo.
Não posso deixar de pensar que também o processo pelo qual acompanhas os participantes do Ripples Experiment é, ele próprio, uma enorme fonte de aprendizagem para ti. Deixa-me provocar-te e perguntar até que ponto o Ripples pode ser visto como um ato egoísta?
Boa provocação!
Quero acreditar que é um acto ecoista. O Otto fala de um movimento do ego para o eco (do eu para o nós). Não tenho as respostas e não acredito que ninguém tenha! A investigação ou experiência que fazemos contém para mim a questão: são estas as ferramentas certas de investigação e ação? Obviamente que acreditamos serem as melhores que existem hoje mas, como podem ser melhoradas Vão elas fazer a diferença?
O processo com os grupos é um processo de descoberta das perguntas certas e das ações certas! A mudança é local! É de cada um. Esta é a grande experiência.
O que é o teu sonho para o Ripples of the New? Onde gostarias de estar daqui a 2 anos com este teu projeto?
Essa é uma pergunta que me faz sorrir. A minha mulher diz que eu vivo com a cabeça nas nuvens. Acredito que com os pés na terra. Sonhar e imaginar traduzem o mundo de abundância que quero ajudar a criar. O meu sonho para as experiências Ripples é transformar Portugal.
Reflito sobre estas palavras enquanto me preparo para uma Sensing Journey à Escócia (uma Sensing Journey é uma jornada onde se sente, cria sentido e aprende). O Governo escocês adotou a Teoria U e financia processos semelhantes ao Ripples. O campo que estes processos abrem é fabuloso. Hoje, a Escócia lançou um debate profundo que permite repensar e experimentar em torno dos 5 temas centrais da nossa sociedade: economia, saúde, governação (democracia), educação e alimentação. Hoje, estabelece-se na Escócia, metodologicamente, um diálogo verdadeiramente participativo entre o Governo e os cidadãos.
O meu sonho ancora na crença profunda de que as organizações (empresas, Governo central ou local, outros organismos públicos) são seres vivos e têm que subir a escada do desenvolvimento vertical (de consciência, se quisermos) para que o planeta seja sustentável para as gerações futuras. Eu quero contribuir para corrigir a tendência agravada neste século. Vou entregar um futuro menos promissor aos meus filhos do que os meus pais me entregaram a mim: esta ideia deixa-me triste e motivado a sonhar um futuro melhor.