Daria Vodopianova

Daria Vodopianova

Daria Vodopianova é russa mas tem passado a maior parte da sua vida em diferentes países à volta do mundo: Suécia, França, Austrália. De momento, vive em Lisboa e está determinada a mostrar o impacto que as dinâmicas de grupo têm nas conquistas pessoais e nos resultados organizacionais. Acredita que devemos escolher e cuidar das pessoas nas nossas redes porque aqueles que nos rodeiam influenciam o que conseguimos alcançar.

Daria, esta ideia de que as nossas redes influenciam grandemente o nosso sucesso não é nova. Porque sente necessidade de a promover? O que é que a Daria traz de novo a esta ideia?

Não é nova mas ainda há muitas pessoas que não têm acesso a esse conhecimento.

Nos Estados Unidos, o conceito de grupos mastermind está mais desenvolvido do que na Europa, mas, mesmo lá, está desenvolvido sobretudo em alguns círculos de empreendedorismo. Com a minha apresentação no TEDx pretendi que mais pessoas descobrissem como todos podemos tirar partido do trabalho conjunto graças a algumas pequenas ações.

Li num artigo da FORBES que os estudos prevêem que, em 2020, mais de 50% dos trabalhadores nos Estados Unidos serão freelancers. Se olharmos para um exemplo europeu, por exemplo a França, a quantidade de freelancers aumentou 120% nos últimos dez anos. E outros países seguem este exemplo.

À medida que avançamos (ou já avançámos) para uma economia gig (ou economia freelance), estamos a perder o grupo que naturalmente se cria pelo próprio espaços de trabalho. E mesmo enquanto funcionários de uma organização, podemos perder essa noção de grupo à medida que mais pessoas trabalham remotamente.

O espaço de trabalho tem sido um espaço natural para conhecer outras pessoas, que não sejam necessariamente familiares ou amigos. Criou um local onde nos focamos em tipos de interação diferentes daquele que encontramos fora do contexto de trabalho. Como por exemplo uma reunião, que pode ser um tempo de colaboração estruturado e limitado.

Quando perdemos esse espaço natural de colaboração, nem sempre sabemos usar o potencial máximo do grupo que pode ser criado na nossa rede profissional. Grupos mastermind, grupos de accountability e coaching de pares são mecanismos que podem ser extremamente benéficos na sociedade moderna.

Daria, falou de grupos mastermind. Pode explicar o que são e falar um pouco sobre esses grupos?

Quando aprendemos sobre grupos mastermind, há um nome que vem à cabeça das pessoas: Napoleon Hill. Originalmente, ele referiu masterminds no seu livro The Law of Success publicado em 1928. Contudo, este conceito é mais largamente associado com o seu livro de 1937 Think and Grow Rich. Hill explica que o poder é “conhecimento organizado” que resulta de inteligência, experiência acumulada, experimentação e conhecimento. Podemos ter planos e agir mas, sem tirar partido da inteligência coletiva, limitamos o nosso próprio sucesso.

É aqui que entra um mastermind. Citando Hill, pode ser definido como a “coordenação de conhecimento e esforço, num espírito de harmonia, entre duas ou mais pessoas, para o alcance de um propósito específico”. Ele continua e diz que “não há duas mentes que se reunam sem que criem uma terceira força, invisível e intangível, que se pode equiparar a uma terceira mente“.

Ele depois refere-se ao poder de um grupo, à inteligência coletiva, como algo que apenas pode ser criado porque nos aproximamos e pensamos juntos.

 

Quais são os comportamentos e os princípios mais importantes para os membros de um grupo mastermind?

Podemos dividir esta pergunta em duas partes: o que é preciso para iniciar um grupo mastermind que funciona e o que é preciso para que ele continue.

Primeiro, os grupos que melhor funcionam têm em comum alguns fatores:

a) O mesmo objetivo / intenção: Pode ser conseguir ganhar X antes do final do ano. Mas pode ser algo menos relacionado com dinheiro, como por exemplo ficar mais em forma ou escrever o seu primeiro livro. Assim, e antes de tudo, garanta que os objetivos estão alinhados. Claro que os membros do grupo podem trabalhar em setores diferentes, mas passa por ter um bom entendimento sobre o que a outra pessoa está a vivenciar neste momento.

b) O mesmo nível de ambição: Este fator é muito importante para que um grupo mastermind funcione e tenha futuro. Precisamos de ter à nossa volta pessoas que estão igualmente empenhadas e prontas para trabalhar no sentido de atingir os seus objetivos e sonhos. Também tem a ver com o que se está pronto a sacrificar para os atingir. Aliado ao sucesso vem o fracasso, o treino, um otimismo incurável e um forte desejo de conseguir o que se pretende. As pessoas no seu mastermind precisam de refletir o mesmo nível de investimento nos seus próprios sonhos.

Não esquecer que isto não significa necessariamente trabalhar mais. Um mastermind também pode ser um grupo de pessoas que se esforçam para se ajudar a abrandar o seu ritmo de trabalho. É apenas uma questão de um investimento equivalente nos seus sonhos.

c) O mesmo nível de experiência: Nos grupos mastermind de que fiz parte, organizei ou ouvi falar, este tem sido um fator crítico de sucesso. Um grupo mastermind não é um programa de mentoria ou uma sessão de coaching. É um momento para que todos os membros do grupo tenham uma oportunidade de aprender e partilhar conhecimento. Por isso é importante ter no grupo pessoas que estão ao mesmo nível profissional. Caso contrário, é provável que alguns membros sintam que estão a dar conselhos gratuitos e outros sintam que não conseguem entender aquilo que os outros estão a enfrentar. Tem de existir um equilíbrio entre o dar e o receber.

Isto leva-me à segunda parte da questão – como nos devemos organizar e manter o grupo.

Encontrar 4 a 6 pessoas que quer ter no grupo e comprometer-se com esse grupo.

Decidir as regras do grupo. É neste momento que se decide quantas vezes se devem encontrar e durante quanto tempo. Não há uma regra rígida, mas pode ser semanal, quinzenal ou mensalmente. Decidam se os encontros vão ser presenciais ou online. Garantam que existe um entendimento claro sobre confidencialidade e respeito entre os membros do grupo.

Decidir o líder (ou host) do grupo. Esta liderança pode ser rotativa. O papel desta pessoa é a) criar o espaço e organizar a logística das reuniões; b) conduzir o espaço; estabelecer a agenda para o dia; c) saber quando se deve afastar e deixar o grupo ir em direções diferentes; ouvir o grupo e não assumir uma liderança muito ativa quando perceber que isso não é conveniente.

Preparação individual: Um conceito comum nos grupos mastermind é trabalhar com hot-seats. Um hot-seat é um momento em que um membro de um mastermind tem toda a atenção do grupo para o ajudar a resolver uma questão que o impede de progredir. Alguns grupos dedicam cada uma das sessões a um só membro; outros dividem o tempo para que todos os membros tenham oportunidade de ter um hot-seat em cada reunião. Por exemplo, se o grupo for composto por quatro membros e a duração de cada sessão for de 60 minutos, cada membro terá 15 minutos de hot-seat. Para que isto funcione, é necessário que os membros tragam questões claras e concisas para a sessão. Isto requer preparação prévia.

Estabelecer a agenda: Aqui o líder tem de assumir a responsabilidade de começar a horas e de gerir o tempo para que a sessão seja proveitosa e o tempo bem dividido entre todos os membros.

Comprometer-se e comparecer: Alguns grupos masterminds mantém-se ativos durante anos e com grande sucesso, porque os seus membros estão empenhados em comparecer e em investir no grupo. Por isso, se quiser beneficiar da “terceira mente” é mesmo importante comparecer e dar prioridade ao grupo. Mas demora tempo a construir a confiança necessária para abordar as questões que realmente afetam o seu trabalho e conhecer os outros membros o suficiente para lhes poder dar bom feedback e conselhos.

De que forma é que o conceito dos grupos mastermind pode ser implementado numa organização?

Acredito que pode ser implementado de várias formas. Pode ser em torno de um projeto específico, de gestores em posições semelhantes que querem trocar ideias, de colegas que procuram formas de escalar o seu conhecimento, e outras.

Os benefícios que decorrem de masterminds decorrem do facto de que são fáceis de criar e manter. Podem ser criados em qualquer nível da empresa e iniciados por qualquer colaborador. Isto dá aos colaboradores a escolha de continuarem a aprender e a trocar ideias e competências com os seus colegas. É uma forma muito eficaz de suporte contínuo e de partilha de competências que não exige mais tempo, mas que pode ser muito eficaz e produtiva para uma empresa.

Devido aos hot-seats, cada membro de um grupo mastermind tem de se perguntar o seguinte: “Qual é o principal obstáculo a travar o meu trabalho e que me impede de progredir individualmente ou com a minha equipa?“. Consegue imaginar o tipo de resultados que poderíamos ter numa empresa se mais pessoas se colocassem esta questão?

Conhece o conceito de Working Out Loud (WoL) popularizado por John Stepper? Que semelhanças e diferenças encontra entre o WoL e os grupos mastermind?

Apenas vi a apresentação TEDx do John Stepper por isso não é uma questão sobre a qual possa elaborar muito. Contudo, pelo que entendo do WoL parece-me um conceito limitado a 12 semanas. Esta é a primeira grande diferença já que um mastermind pode decorrer durante meses ou anos e torna-se mais eficaz quanto mais os membros se envolvem.

Outra diferença é que o WoL me parece ser um pouco mais “solto”, digamos, nos contornos de uma sessão. Os grupos mastermind estão essencialmente focados nos hot-seats e vão afunilando as perguntas para se concentrarem em questões específicas que permitam avançar para o passo seguinte, ou encontrar a solução para a próxima ação. Sinto que as sessões de WoL são mais sobre permitir mais criatividade e pensamento livre, enquanto que os grupos mastermind se focam no próximo passo que vai fazer a enorme diferença. Não vejo porque os dois não possam coexistir. De facto, penso que os dois em conjunto poderiam ser uma combinação vencedora: criatividade e aconselhamento estratégico coletivo para a levar mais além.

As organizações são cada vez mais uma mescla de nacionalidades e culturas diferentes. Será que esta diversidade pode dificultar a criação e manutenção de grupos mastermind?

Penso que não. Os grupos mastermind não se focam muito no passado nem no nosso ponto de partida. Focam-se no ponto para onde nos dirigimos e se partilhamos o mesmo objetivo / intenção / ambição.

Com tempo, os membros começam a construir confiança dentro do grupo e, assim, vão aprofundando o conhecimento que têm sobre a forma como cada um pensa. Como a ideia é construir algo com um impacto e um compromisso mais duradouro, permite a aos membros apreciar as diferenças, experiências e contributos de cada um. Isto pode mesmo beneficiar o grupo ainda mais. Acredito que pode fortalecer o respeito mútuo por culturas diferentes e os membros podem aprender mais sobre cada uma.

3 comments

  1. Tiago Caldas 29 Maio, 2018 at 22:59 Responder

    Parabéns pela entrevista! Sempre fico muito feliz quando temas de colaboração são difundidos, pois tenho plena convicção que cada vez mais este é o método crucial para o sucesso pessoal e profissional. No que tange ao tema do Working Out loud, creio que a Daria foi muito honesta ao dizer que não pode opinar muito devido ter visto apenas de forma superficial o tema. Quando ela e qualquer outro tiver a oportunidade de se aprofundar verá que as 12 semanas não são um fim em si mesmo, mas apenas um guia para que certos comportamentos sejam desenvolvidos nos participantes dos ciclos, fazendo com que isso vire hábito e a postura de colaboração através de equipes seja contínua e sustentável. Exercícios como de praticar a generosidade, ter objetivos e expandir seu networking através de uma postura de dar, vão formando uma atitude em prol da colaboração contínua e propositada. Em um ponto eu creio que concordo com ela, os ciclos são mais “soltos”, mais leves eu diria, mas não são vazios de propósito e objetivo, o que faz com que os grupos tenham que caminhar em conjunto, estimulando uns aos outros.

    • Ana Neves 30 Maio, 2018 at 07:11 Responder

      Fico muito contente por o Tiago ter comentado a entrevista com a Daria e ter esclarecido a questão do WoL, ele que tem bastante experiência com esta abordagem como se percebeu numa recente entrevista ao KMOL.

      Não sou especialista de WoL, longe disso!, mas a ideia que tenho é que as 12 semanas são um período de “habituação” para que as pessoas conscientemente se esforcem para pôr em prática os princípios do WoL no sentido de, posteriormente, os aplicarem já sem pensar.

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