Harold Jarche

Harold Jarche

Harold Jarche é um consultor canadiano que há muito se dedica à gestão de conhecimento. É apaixonado pela forma como as organizações aprendem e, nos seus projetos, trabalha com organizações variadas para as ajudar a aprender, trabalhar e inovar no atual mundo em que vivemos – um mundo em rede. Não é de estranhar que eu aprecie tanto o seu trabalho e que tenha querido saber mais sobre o seu trabalho e as suas opiniões.

Harold, escreveu uma série de quatro livros sobre viver num “beta perpétuo” (perpetual beta). O que significa trabalhar num beta perpétuo?

O beta perpétuo é o conceito de adaptação à mudança constante ao mesmo tempo que continuamos a cumprir as nossas obrigações.

Baseia-se no princípio de opiniões fortes mas às quais não estamos demasiado agarrados. Precisamos de modelos mentais para informar as nossas decisões mas não nos podemos agarrar demasiado a esses modelos. Temos de deitar fora ferramentas de decisão ineficazes e estar constantemente em busca de novas.

Os nossos princípios podem não mudar mas a nossa compreensão tem de se adaptar à medida que aprendemos.

De que forma é que trabalhar num beta perpétuo difere da forma como a maioria das pessoas costuma trabalhar?

Perguntam-me muitas vezes quais são as melhores práticas num determinado tipo de trabalho. Os gestores procuram receitas que podem ser replicadas. Querem respostas e soluções.

Para problemas complexos, que são quase todas as situações que envolvem pessoas, não há respostas simples. Temos de estar em experimentação constante para entender sistemas complexos.

Isto vai contra a forma como a maior parte dos contextos de trabalho estão desenhados: com procedimentos e tarefas estandardizadas. Mas o trabalho estandardizado está a ser automatizado. Isto coloca desafios únicos às pessoas, desafios esses que requerem soluções criativas.

O beta perpétuo é uma atitude de experimentação e de tentar coisas, algo que não é permitido em muitos locais de trabalho.

O que é necessário mudar para que as pessoas adotem esta nova forma de trabalhar?

A primeira alteração necessária é a mentalidade – a aceitação de que o trabalho é aprendizagem e que a aprendizagem é o trabalho.

“work is learning and learning is the work”

As pessoas têm de assumir o controlo do seu desenvolvimento profissional. As organizações têm de remover as barreiras à partilha de conhecimento e criar formas de a encorajar, através de sistemas abertos e transparentes.

O meu princípio de trabalho em rede é que é apenas através de métodos inovadores e contextuais, da auto-seleção das ferramentas e condições de trabalho mais adequadas, e de cooperação voluntária que se consegue promover um trabalho mais criativo.

Todos têm obrigação de ser mais transparentes no trabalho e de partilhar o seu conhecimento – especialmente as pessoas em cargos de gestão.

O Harold é mais conhecido pelo seu trabalho em torno da Gestão de Conhecimento Pessoal e do modelo de Personal Knowledge Mastery que criou em 2004. Porque sentiu a necessidade de criar esse modelo?

Criei o modelo PKM pela necessidade de me manter atual na minha área. Baseia-se no trabalho desenvolvido na área da gestão de conhecimento no início dos anos 2000, especialmente na investigação de Lilia Efimova e Dave Pollard.

Hoje chamo-lhe Personal Knowledge Mastery (PKM) porque vejo este modelo como uma disciplina que deve ser dominada, e isso requere tempo e prática.

Basicamente, foca-se no desenvolvimento de diversas fontes de informação e conhecimento, em especial ligações humanas, e na procura de formas de fazer sentido das nossas experiências e de tentar novas coisas.

Modelo de Personal Knowledge Mastery de Harold Jarche

O Modelo de Personal Knowledge Mastery desenvolvido por Harold Jarche e que promove a procura, a compreensão e a partilha de informação e conhecimento

Passaram-se catorze anos desde que criou o modelo PKM. Ainda lhe reconhece valor? Será que as pessoas ainda não aprenderam a viver neste momento altamente conectado em que estamos?

O valor do PKM aumenta todos os anos à medida que mais pessoas se apercebem de que só são tão eficazes quanto as redes de conhecimento a que pertencem.

O PKM é agora usado em várias universidades à volta do mundo bem como em várias empresas, como é o exemplo do programa de liderança da Carlsberg.

O desafio do PKM é que requer tempo e esforço para se dominar. Ainda há muito trabalho a fazer para mudar as nossas organizações baseadas na indústria, na informação e no mercado, para que possam enfrentar os desafios da era das redes. Estamos apenas a começar a aprender como singrar nesta sociedade.

O seu modelo assenta em três momentos – buscar (seek), compreender (sense) e partilhar (share). Com base na sua experiência de levar este modelo a tantas pessoas em tantas organizações diferentes, com qual destes momentos é que as pessoas têm mais dificuldade?

O maior desafio é o sense-making. Conectar-se com outras pessoas e filtrar informação são atividades relativamente simples. Mas encontrar formas de acrescentar valor ao conhecimento e aprender ao fazer (learn by doing) requer esforço.

O P de PKM é para “pessoal”, e para que seja eficaz cada pessoa tem de encontrar métodos de sense-making que funcionem para si.

Para mim, escrever no meu blogue é fundamental para que eu faça sentido das coisas, e por isso há quinze anos que nele vou escrevendo. Mas a escrita de um blogue não é para todos. Para algumas pessoas talvez seja melhor ter discussões regulares com colegas. A chave é tentar métodos diferentes de sense-making e ver o que funciona melhor ao longo do tempo.

Agile Sensemaking do Harold Jarche

Num mundo em constante mudança, é imperioso sermos capazes de fazer sentido das coisas de forma ágil e encarando o trabalho como um beta perpétuo

Pode partilhar duas ou três ações que as pessoas possam realizar para melhorar a forma como fazem sentido das coisas?

Primeiro é preciso encontrar uma forma de fazer anotações que possam ser facilmente encontradas no futuro. Eu utilizo uma ferramenta de social bookmarking como o Diigo. Esta ferramenta facilita a partilha quando necessário porque os links guardados são pesquisáveis e podemos adicionar-lhes metadados (tags, por exemplo) para os encontrar mais facilmente.

Conectar-se a outras pessoas, em plataformas como o Twitter ou o LinkedIn, pode fazer com que a informação chegue até si. Tente desenvolver uma rede diversa que lhe dê uma variedade de perspetivas e opiniões.

Finalmente, reserve tempo para refletir e considerar novas coisas que possa experimentar para ser um melhor profissional.

Como diz o autor David Williamson Shaffer, “a professional is anyone who does work that cannot be standardized easily and who continuously welcomes challenges at the cutting edge of his or her expertise”.

Da sua perspetiva, as pessoas estão mais ou menos conscientes da sua necessidade de melhorar a forma como fazem sentido do mundo?

Penso que há um desejo cada vez maior de simplificar as coisas. Contudo, não é possível andar para trás no tempo. O mundo manter-se-á complexo e o mesmo acontecerá com os nossos desafios.

Utilizar modelos de sense-making como o PKM pode ajudar a reduzir a nossa carga cognitiva. Podemos aliviar algum do trabalho de pensar se estivermos ligados a pessoas inteligentes e positivas.

Só somos tão bons como as nossas redes, por isso temos é que cultivar redes sociais diversificadas e inteligentes. A alternativa é desligarmo-nos do mundo e ficarmos agarrados às nossas “tribos”. E isto só nos vai emburrecer ao longo do tempo.

E as organizações? Elas percebem a importância de uma melhor forma de fazer sentido do mundo?

Algumas organizações estão a abrir-se para a necessidade de, não só trabalhar colaborativamente, mas também de se ligar em cooperação com o exterior. Vejo uma maior abertura para isto nos países nórdicos.

Na América do Norte, também vejo alguma regressão para o comando e controlo industrial, com supervisão maquinal. Esta mudança de uma economia de informação / mercado para uma economia criativa / de rede vai ser tumultuosa e é possível que isso resulte em muito desassossego social. Apenas seremos bem sucedidos, como organizações ou como sociedade, se trabalharmos e aprendermos em conjunto.

Eu perguntei-lhe sobre organizações e a sua resposta alargou-se para o contexto societal. Sei que já fez algum trabalho com Governos. É mais fácil ou mais difícil promover o modelo PKM à escala societal?

Pode ser mais fácil convencer Governos e agências públicas da necessidade de partilhar conhecimento de forma mais eficaz. Contudo, estas entidades muitas vezes têm barreiras semelhantes às das empresas privadas, com muito trabalho e sem tempo para reflexão ou conversas profundas. É necessário o compromisso das camadas de liderança para que se crie tempo para aprender.

Há alguns anos, os membros da UCLG (United Cities & Local Governments), uma ONG internacional, participaram num dos meus workshops de PKM. A organização queria encontrar “soluções práticas para satisfazer os pedidos dos cidadãos” reconhecendo que “a aprendizagem não pode acontecer de forma isolada mas tem de fazer parte de parcerias”. Um dos resultados foi uma iniciativa entre Moçambique e Brasil que abraçou o meu modelo buscar > compreender > partilhar de forma única para facilitar a partilha de conhecimento complexo e promover uma rede construída em relações de confiança.

Para terminar, e porque acredito que todos se devem envolver ativamente, quais as suas recomendações para melhorarmos o processo de sense-making ao nível da sociedade e, assim, melhorarmos o mundo em que vivemos?

Com todos os lados do espetro político a alimentar-nos notícias falsas e eventos em países remotos a afetar as nossas fronteiras, cada cidadão de uma democracia tem de se tornar um sense-maker agressivamente informado. Hoje o mundo é líquido, com poucas fronteiras para parar a informação. Como tal é imperioso garantir que nós, enquanto cidadãos com direitos inalienáveis, temos acesso irrestrito a informação.

Cada um de nós pode fazer alguma coisa. Como indivíduos, com um mero clique, podemos sair das nossas comunidades fechadas e dos nossos silos culturais. Podemos ignorar bots, trolls, e propagandistas e, em vez disso, conectarmo-nos a pessoas reais, que fazem trabalho real noutras partes do mundo. Destas redes podemos obter conhecimento real do que se está a passar no mundo. A cidadania numa era de redes começa com personal knowledge mastery – fazer sentido do mundo em rede, por nós próprios e com os outros companheiros cidadãos.

“Le secret de la liberté est d’éclairer les hommes, comme celui de la tyrannie et de les retenir dans l’ignorance.” —Maximilien Robespierre (1758 – 1794)

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