João Baptista é Professor Associado na Warwick Business School onde leciona Sistemas de Informação com um foco na adoção de media digital no local de trabalho. Foi uma das entrevistas que mais prazer me deu realizar, não só pelo foco (ferramentas sociais nas organizações), mas pela orgânica do processo e pelo muito que aprendi. O que começou com um conjunto de perguntas enviadas por e-mail (em inglês), continuou com respostas enviadas também por e-mail, e evoluiu com mensagens instantâneas para aprofundar respostas e clarificar conceitos sem tradução linear para o português.
João, atualmente sua investigação centra-se na utilização de tecnologia, como as intranets e social media, para apoiar a comunicação, a colaboração e a inovação nas organizações. De onde vem o seu interesse por estes temas?
Vem da observação dos profundos impactos da tecnologia no tecido social das organizações, e de perceber a interação entre a tecnologia e a cultura, as práticas e as estruturas formais das organizações.
Eu regressei ao meio académico depois de trabalhar em empresas nos anos em que o e-mail e os dispositivos móveis, e mais tarde as intranets e as plataformas de partilha de conhecimento, apareceram como novas formas de comunicação e colaboração. Nenhuma das anteriores teorias explicava os efeitos destas tecnologias nas organizações.
Também me intrigou o aparecimento de novas funções organizacionais para a gestão destas tecnologias emergentes, e o surgimento de novas profissões como gestores de intranet, gestores de conhecimento, gestores de comunidade, gestores de colaboração, e de uma nova linguagem usada pela gestão de topo para descrever novas práticas e comportamentos em torno destas áreas.
Enquanto completava o meu Doutoramento na London School of Economics acompanhei 5 anos do processo de institucionalização de uma intranet num banco no Reino Unido. Surpreendeu-me o esforço contínuo dos gestores de intranet para gerir estas plataformas, sempre em mudança, com orçamento reduzido, sem estruturas de governo, e com o apoio limitado da gestão que pouco entendia sobre o impacto fundamental destas plataformas.
Foi fascinante acompanhar a criação de novas funções e práticas até, finalmente, ver a intranet tornar-se profundamente embutida na estrutura formal da organização a ponto de ser reconhecida como “infraestrutura crítica de negócio”. Contudo, paradoxalmente, também se foi tornando cada vez mais invisível para a gestão de topo, o que conduziu a um menor investimento e uma menor consciência do seu papel estratégico para o negócio.
Um exemplo de como ainda prevalece uma abordagem de gestão dominada pelo apagar dos fogos. A atenção e o investimento vão para o que está a dar problemas…
Sim, e curiosamente, em 2010 publiquei um artigo no Journal of Strategic Information Systems com Sue Newell e Wendy Currie, no qual reportava estas observações no banco. Foi reconhecido como o melhor artigo do ano pelo próprio Journal e pela Association of Information Systems.
Em 2016, conclui o seu artigo “Social Media and the Emergence of Reflexiveness as a New Capability for Open Strategy” dizendo “the adoption of social media and the embedding of participative practices in the structure of organizations create conditions for strategy to become shared and collectively owned; one which positions many more organizational actors as strategy practitioners”. Quanto disto se deve às ferramentas sociais, às práticas participativas ou a uma mudança de comportamento e cultura?
Temos o cuidado de evitar uma perspetiva determinística da tecnologia. Esse estudo que fiz com Alex Wilson, Bob Galliers e Stephen Bynghall, captura o potencial para que as ferramentas sociais causem disrupção nas estruturas organizativas. Sugerimos que os efeitos refletem ajustes estruturais continuados na organização ao invés de resultados prescritivos.
Não é são as ferramentas sociais que determinam as práticas de trabalho. Na realidade, em muitas organizações as ferramentas sociais ainda são usadas como um meio tradicional para comunicação unidirecional. São necessárias mudanças significativas na cultura e no governo para que o social media estimule envolvimento e participação genuínos, inovação, etc.
Num outro artigo, que escrevi com Bob Galliers e Jimmy Huang, dizemos que as organizações necessitam desenvolver ambidextria comunicacional como uma nova capacidade para gerir feedback aberto e aprender a usar feedback contraditório e controverso de forma relevante para a tomada de decisões. Traçámos diversos exemplos de tipos de estruturas que devem existir para que as organizações vejam valor no feedback aberto.
Na maioria das organizações o instinto inicial é fechar a comunicação aberta, porque requer esforço e processos para o gerir devidamente. Assim, é um processo gradual em que as organizações ajustam processos e o modelo de governo para interiorizar estruturalmente o feedback no funcionamento da organização.
O seu artigo listava seis tipos de funcionalidades do social media (interação com a gestão, extensão de reuniões de gestão fechadas, listagem de colaboradores, programas de ideação, processos de RH aberto, e análise do sentimento dos colaboradores). Passaram-se dois anos: apercebeu-se, entretanto, de algumas outras funcionalidades?
Claro que estão a surgir outras funcionalidades que não capturámos na altura e que oferecem possibilidades distintas de utilização. O papel da classificação com etiquetas (tags) e plataformas internas que operam mais como o Instagram e o Snapchat, e o aparecimento do Slack, por exemplo, que é novamente uma forma diferente de integrar trabalho com funcionalidades sociais. Porém, os efeitos subjacentes que capturámos permanecem. São características que encorajam a participação e o envolvimento, com efeitos a longo prazo nas estruturas organizativas.
No seguimento deste trabalho, estou a editar uma edição especial de uma publicação académica que se irá focar nas “Strategic Perspectives on Digital Work and Organisational Transformation”. Essa edição especial pretende atrair estudos recentes sobre novas dinâmicas organizacionais resultantes da adoção do social media e de outras plataformas participativas.
Que oportunidades vê no horizonte no que refere à maior utilização de ferramentas sociais nas organizações?
O social media pode ser um veículo para organizações mais centradas na pessoa, em que os colaboradores são simultaneamente participantes e autores da trajetória organizacional. Claro que isto não é um resultado direto da implementação do social media na organização, como já referi anteriormente. É um modelo potencial de organização baseado num ambiente mais fluido e dinâmico que pode emergir com o apoio do social media.
O social media tem o potencial de ser um veículo que estimula este processo de transição devido à sua lógica inerente de participação e envolvimento. Num outro estudo que publiquei com um aluno de doutoramento, Ali Mohajerani, e um colega, Joe Nandhakumar, olhámos para o papel do social media como um transportador de lógicas entre contextos sociais. No nosso caso, a importação das lógicas ocidentais para o Irão pela crescente adoção de social media. Isto é interessante porque mostra que, apesar da tecnologia não ser suficiente, pode agir como um transportador destas práticas e, com o tempo, definir novas expetativas e estimular comportamento que conduza a mudanças mais estruturais nas organizações.
Fala muito na importância da reflexão (“the ability to be reflexive“) e no papel que o social media desempenha no desenvolvimento desta capacidade nas organizações. Ainda que entenda e concorde totalmente com o que diz, permita-se ser advogada do diabo. Será que o volume de informação que chega até nós pelas plataformas sociais não acaba por reduzir o nosso tempo de reflexão?
Nós conceptualizamos a reflexão organizacional como uma capacidade interna das organizações, pelo que representa uma combinação de ajustes internos que permitem à organização usar o feedback aberto dos colaboradores de forma relevante. Neste caso não é a capacidade de um indivíduo: referimo-nos às estruturas organizativas.
Mas o seu ponto mantém-se: são necessários tempo e recursos… Pode ser entendido pela gestão como um desperdício de energia, e isso é a forma errada de começar a caminhada em direção a uma organização mais refletiva.
Nadim Habib deu o arranque para o Social Now 2018 com uma apresentação brilhante sobre liderança num mundo digital onde a mudança é a única coisa garantida. Se as ferramentas sociais podem ser usadas para que todos os colaboradores se tornem parte do desenho e da implementação da estratégia organizacional, será que podem também ser usadas para flexibilizar a estratégia? Faria algum sentido falar de uma abordagem agile à criação da estratégia viabilizada pela utilização de ferramentas sociais?
O ponto do Nadim é pertinente e concordo quando ele aponta para um futuro em que qualquer colaborador, particularmente as gerações mais jovens, será capaz de se envolver e participar no discurso organizacional e na atividade de definição de estratégia. Aliás, não se trata só da capacidade de o fazer mas da expetativa de que o façam.
Esta é uma enorme mudança em muitos aspetos das organizações: uma delas é sem dúvida as grandes forças do poder estrutural que têm de ser ajustadas para que esta prática se normalize.
Eu tenho uma filha com quase 18 anos. Tenho a certeza que vai ter dificuldade em operar num ambiente em que se sente incapaz de dar opinião e interagir de forma mais aberta e liberta da que consegue fora do local de trabalho.
Não devíamos esperar que a nova geração de colaboradores altere de repente os seus comportamentos à entrada do escritório. Eles irão dar e aportar mais valor como inovadores quando se envolvem de forma sentida e relevante no ambiente de trabalho.
A questão de caminharmos para processos mais ágeis de definição de estratégia está relacionada com isto e é muito válida. Mais participação tem o potencial de tornar a estratégia mais relevante, e isto significa que tem de ser conduzida por valores que não sejam só objetivos específicos de produtividade. A estratégia torna-se então uma atividade e uma prática ao invés de documentos e prescrições do passado.
No Twitter confessa-se “passionate about all things digital“. Dito desta forma parece que ser digital é um objetivo e não um meio para atingir um fim (melhor). Considerando tudo o que já falámos, não acredito que seja essa a sua perspetiva. Assim, gostava de saber: o que pensa sobre formas de avaliar o impacto e a utilização de ferramentas sociais dentro das organizações?
Sim, sempre me interessei pelo digital como catalisador e móbil de mudança. Mas isso está longe de ver a tecnologia como a solução mágica para todos os tipos de problemas pessoais, sociais ou organizacionais.
O meu foco no social media é observar os seus efeitos e, de alguma maneira, capturar formas de com ele criar condições para melhores tipos de organização. Note que uso “organização” como o ato de organizar (e não como um nome) para indicar que vejo a organização como uma atividade ou processo e não como uma coisa estática.
Para entender o impacto do social media precisamos ir mais fundo no tecido social da organização e capturar as profundas estruturas de significado que servem de suporte a todas as práticas e atividades nas organizações. Isto perde-se muitas vezes quando a gestão tenta extrair aquilo a que chamam “valor de negócio” e é difícil de capturar em planos de negócio para investimento neste tipo de projetos. O retorno do investimento em bens físicos é muito mais fácil de registar, mas uma plataforma digital de trabalho pode ter efeitos bem mais profundos nas organizações ainda que não se consigam encaixar facilmente nos tradicionais planos de negócio.
Estamos continuamente a ouvir falar da transformação digital. Da sua perspetiva, quanto disto é empolamento com o objetivo de vender versões digitais de processos atuais ao invés de uma verdadeira transformação de serviço?
Há muito empolamento e muitos interesses de consultores, fornecedores, etc. e muitas vezes torna-se difícil distinguir a realidade. Da minha experiência, as organizações também reportam mais transformação do que aquela que realmente tem lugar. A maior parte da atividade atual são palavras… e em muitas organizações a transformação permanece um conjunto de planos e intenções, com um pouco de ação.
Isto não significa que não está a acontecer, mas que há mais palavras do que ação, e que as verdadeiras mudanças são lentas e dispersas nas grande organizações.
O processo é mais fácil para uma start-up do que para uma já estabelecida, o que explica porque é que em algumas grandes organizações são criadas unidades separadas com o mandato de operar de forma diferente. Por exemplo, a IBM Studio é uma unidade semi-independente da IBM que usa métodos agile e que foi criada para ser um laboratório de experimentação de novas práticas futuras da empresa.
Também vejo as grandes empresas a pedir cada vez mais ajuda para estudar e observar as pessoas e a sua forma de trabalhar para depois planear intervenções mais profundas. A etnografia, o design centrado no utilizador e outras disciplinas centradas nas pessoas vão poder dar apoio crítico.
Estas ideias estão bem presentes em dois livros que li recentemente: um do Neil Usher e outro do Oscar Berg e do Henrik Gustafsson. Em ambos, os autores referem as ferramentas colaborativas mas são uma exceção. Sempre achei que as ferramentas sociais (ou antes, uma forma mais social de trabalhar proporcionada por ferramentas digitais) são deixadas fora desta conversa. Quase como um parente pobre mas que eu considero central à transformação digital.
A transformação digital é de facto mais abrangente do que o social media, mas também é parte integral. Refiro-me ao social media como um conceito abstrato que inclui todas as funcionalidades que permitem a participação, o envolvimento e o feedback abertos, e por isso é parte integrante de iniciativas relacionadas com o conhecimento, inovação, agile e práticas de trabalho nómada, etc.
Para finalizar, permita-me voltar ao seu artigo de 2016. Diz que ele se foca no social media “as a platform for participation and considers its role in shaping and forming strategy within organizations”. Alguma vez considerou o papel do social media como uma plataforma para participação em contextos mais alargados? Por exemplo como forma de envolver os cidadãos na definição do mundo em que vivem…
Sim, a ideia de usar social media para facilitar participação relevante dentro das organizações pode ser útil para considerar abordagens semelhantes para a participação cidadã num contexto social mais alargado. Adorava ter oportunidade de me envolver mais com este tópico a este nível. Fantástica ideia!
Bem, sendo assim deixo o convite para que visite o Cidadania 2.0, um projeto que puxo desde 2010 e que está justamente relacionado com isto. Estou certa de que lá encontrará muitos exemplos inspiradores.
Nota: Esta entrevista foi feita em inglês. A versão original está no LinkedIn. Esta não é uma tradução direta da entrevista original mas foi validada com o João Baptista para garantir que não se perdiam as nuances das suas respostas.