Rachel Happe

Rachel Happe

Rachel Happe é americana, vive em Boston, e passou os últimos 25 anos a ajudar organizações. Acredita que os ambientes de comunicação em rede e que as comunidades podem transformar a forma como as pessoas trabalham, e influenciar a sua produtividade e a sua satisfação pessoal.

É cofundadora da The Community Roundtable, uma empresa que ajuda as organizações a desenvolver as suas estratégias de comunidade e de social business. Assinou recentemente a 10ª edição do relatório The State of Community Management, um relatório que considera dados de 325 programas de comunidades: aproximadamente 85% de organizações norte americanas, 15% organizações na Austrália ou países europeus.

O relatório deste estudo anual explora o impacto das comunidades nas organizações, o sucesso que têm, e os principais desafios que enfrentam. E esses são exatamente os pontos que explorámos nesta entrevista realizada por email.

Rachel, como descreveria The Community Roundtable, a empresa que cofundou em 2009. E porquê o nome “The Community Roundtable”?

The Community Roundtable, no fundo, é uma organização de formação e desenvolvimento profissional e todos os nossos produtos e serviços são desenhados para ajudar as pessoas a perceber como criar comunidades fortes por elas próprias.

Chamámos-lhe The Community Roundtable porque praticamos o que dizemos – estamos a aprender juntos com membros, clientes e o nosso ecossistema mais vasto. Ao contrário dos tradicionais analistas e empresas de consultoria, nós estamos constantemente a recircular o que estamos a aprender e sempre a tentar dar às pessoas mais valor do que aquele com que contribuem.

Qual o tipo de projetos em que mais gosta de trabalhar?

Os projetos de que mais gosto são aqueles com uma visão ambiciosa acompanhada do entendimento de que para alcançar essa visão são precisos milhões de pequenos passos, e não ficar à espera que a estratégia e o plano sejam perfeitos.

Aprender em conjunto, iterativamente, é uma forma muito mais eficiente de lidar com problemas complexos do que, sequencialmente, tentar estratégias mais elaboradas. Tenho uma grande preferência pela aprendizagem pela ação. Faz alguma coisa, aprende com isso, muda se necessário.

A Rachel tem um bacharelato em Política. De que forma é que esse conhecimento é útil no trabalho com comunidades?

A Política – e a negociação de poder – está no coração da forma como nos relacionamos uns com os outros, tanto como indivíduos, grupos ou organizações. A falta de entendimento do poder e de como negociar é um dos principais desafios à progressão. Um dos principais desafios que muitas pessoas enfrentam, quer tenham muito poder ou não, é a negação do seu próprio poder, o que as leva a descartar e ignorar uma série de problemas.

No relatório, refere que ser líder de uma comunidade requer metacognição – a capacidade de entender o seu próprio pensamento, como difere do dos outros, e como aproximar a distância. Como é que se adquire esta capacidade? Pode ser ensinada ou estudada?

Penso que a metacognição deve fazer parte do processo de ensino e de como orientamos as pessoas a pensar desde tenra idade.

Por exemplo, um dos trabalhos de casa da minha filha, de 9 anos, foi escrever uma página do diário de Alexander Hamilton. Tinha de escolher um momento interessante da vida dele e pensar como é que ele se estaria a sentir. O resultado foi uma página escrita no seu leito de morte, refletindo sobre como a sua amizade com Aaron Burr tinha descarrilado (ele tinha acabado de ser atingido por Aaron Burr num duelo). Este tipo de exercício escolar leva as pessoas a pensarem mais sobre como os outros sentem o mundo.

Também acho que viajar é incrivelmente útil para desenvolver a metacognição. Quando tinha 16 anos, participei num intercâmbio escolar na Alemanha. Ajudou-me a perceber as semelhanças entre as pessoas e o quão diferentes podem ser as famílias, as culturas, e as experiências.

Esta pode ser uma das maiores falhas da educação mais tradicional, que considera as competências sócio-emocionais como algo fora do âmbito escolar.

“Acredito no poder da comunidade para facilitar o potencial humano”. Esta é uma frase sua no Linkedin. Pode partilhar uma ou duas situações que evidenciem isso?

Há vários exemplos. Um deles é uma experiência que tive a fazer mentoria para crianças de áreas desfavorecidas. Eu tinha vinte e poucos anos. Passávamos algum tempo com as crianças todas as semanas mas elas eram encorajadas a fazer coisas com os seus pares ou grupos do programa de mentoria. O que eu aprendi sobre mentoria e coaching é que, a não ser que as crianças acreditem totalmente que estás do lado delas, não as podes criticar ou desafiar a fazer melhor – eram muito defensivas porque eram vulneráveis e tinham aprendido a proteger-se daquela forma.

Por isso é que dar-lhes um suporte primário e o encorajamento de uma comunidade, podíamos mostrar-lhes novas coisas e opções. Primeiro, precisavam de apoio; e depois precisavam de desafios para verem novas oportunidades. Esta era a única forma de alargar as suas ideias do que era possível para si mesmas.

Esta dinâmica é a mesma na TheCR Network, onde já trabalhamos com o que eu chamo de ‘líderes acidentais de comunidades que sentem não saber o que estão a fazer ou que não se mexem para assertivamente promover o seu trabalho’. Uma das coisas que me deixa mais feliz, é ver pessoas nessa posição assumir o seu poder e experiência – e serem elas próprias a valorizá-los. É isso que as propulsiona e lhes permite ver o seu próprio potencial. Nunca me canso de ver isso.

No relatório diz:
“As comunidades empower os indivíduos, ao fazê-los sentir vistos e ouvidos, o que é a base para que as pessoas se sintam empowered para colocar questões, resolver problemas, e ter iniciativas de liderança. Indivíduos empowered são empenhados, construtivos, e altamente produtivos, tudo coisas que contribuem positivamente para a cultura e para a marca à sua volta.”
Isto estabelece uma ligação direta entre comunidades e indivíduos empowered, e entre estes e melhores resultados de negócio. Contudo, todos sabemos que estas ligações diretas costumam ser difíceis de mostrar através de dados sólidos e inquestionáveis. Da sua experiência, quão importante é ser capaz de mostrar dados concretos, e não ficar pela partilha de exemplos do impacto das comunidades para o negócio?

Eu sou uma pessoa de operações, por isso penso que a medição é crucial. Também penso que olhamos a medição de forma incorreta, daí ser tão difícil encontrar essas tais ligações. Tendemos a olhar para o conteúdo e isso torna muito difícil ver mudança – porque o conteúdo pode ser muito variado. Aquilo para o qual eu tento olhar são os comportamentos, e nos comportamentos é possível ver tendências.

Por exemplo, há uma percentagem maior de membros da comunidade a colocar questões? Estão a conseguir mais respostas por pergunta? Ambas são um sinal de aumento de empowerment. Assim podemos medir esse comportamento e depois podemos medir o valor e a velocidade da resposta, o que tem um impacto direto nos fluxos de trabalho e demonstra valor. Da minha perspetiva, podemos relacionar empowerment com valor de negócio ainda que, pela forma como os dados são recolhidos e guardados, nem sempre isso seja fácil.

O relatório distingue comunidades “avançadas” e “medianas”. Qual o critério para que uma comunidade seja considerada “avançada”?

O nosso critério para estratégias avançadas de comunidades são aquelas estratégias que são aprovadas, operacionais, e avaliáveis. O grande diferenciador é a existência de métricas de sucesso definidas. O que é interessante, é que nós não vamos ao detalhe de ver as métricas específicas – o que faz a maior diferença é o facto dos programas de comunidade terem definido o que lhes é importante, numa forma que podem medir.

Isso quer dizer que as comunidades devem ser criadas de raiz com o objetivo de serem “avançadas”…

Sou fã de começar com uma estratégia avançada. Isso nem sempre é possível porque criar uma estratégia avançada requer tempo e recursos que a equipa ou pessoa pode não ter ou porque as pessoas não sabem fazer melhor.

Contudo, criar uma estratégia avançada ajuda de várias formas. A primeira coisa é que cria expetativas razoáveis para o que é necessário para criar uma comunidade forte e para quando o valor vai ser recolhido. A segunda, é que ajuda a mostrar progresso de uma forma que faz sentido, o que acalma ansiedades e gera confiança. Finalmente, ajuda imenso a equipa de apoio à comunidade a prioritizar o seu tempo, algo que pode ser extremamente difícil dado que as comunidades são sistemas complexos por natureza.

Versão de 2019 do Community Maturity Model, desenvolvido pela The Community Roundtable

O seu relatório deixa adivinhar 5 estádios de comunidades: formam-se, mudam, fragmentam-se, dividem-se, e dissipam. Sinto falta de um estádio que reflita a mera existência da comunidade…

Na verdade, temos um modelo a que chamamos o Community Maturity Model e que considera 4 níveis de maturidade.

O percurso que geralmente vejo, aproxima-se mais de uma mudança do implícito para o explícito, crescimento, consolidação e prosperidade, e depois a transformação de uma abordagem mais antiga. Por vezes, as comunidades também se fragmentam ou dissipam, mas isso pode acontecer a qualquer momento.

Os estádios que refere estão sempre presentes na vida de uma comunidade?

Para mim, se as comunidades estão felizes, não têm de alcançar nem aspirar a estádios mais elevados. Por exemplo, na minha pessoal tenho muitas comunidades que são implícitas, e não me importo com isso. Talvez não sejam muito ativas, mas são o suficiente e isso chega.

Nas organizações, se a comunidade está a consumir recursos – seja apenas o valor de uma plataforma ou o salário de um gestor de comunidade – esse nível de funcionamento não chega. Assim, as comunidades precisam de se tornar mais explícitas e gerar valor, mas nem sempre precisam de substituir outro processo.

Por isso, sim, as comunidade que amadurecem precisam de passar por estas fases de forma sequencial mas não têm necessariamente de aspirar a um determinado nível de maturidade.

Quanto da formação de uma comunidade tem de ser um processo consciente? Ou, por outras palavras, os membros de uma comunidade têm de fazer um esforço consciente para criar uma comunidade ou será que uma comunidade pode simplesmente acontecer?

Como referi anteriormente, a grande maioria das comunidades que existiram e existem são implícitas. São um produto que resulta de qualquer organização ou movimento. Todas as comunidades bem sucedidas e duradouras têm um propósito implícito partilhado e um valor partilhado – i.e. porquê e quão frequentemente participamos.

Quanto mais explícita conseguir ser sobre isso, mais eficiente e eficaz conseguirá ser; mas não é necessário.

Uma comunidade pode sobreviver se os seus membros já não estiverem interessados e empenhados nela?

Não.

Uma última questão. No seu relatório diz, apesar de apoio adicional, os líderes de comunidades avançadas têm um valor mais elevado de esgotamento e também eles referem a falta de recursos como a sua maior frustração. A Rachel acrescenta que isso pode ser porque estão a gerar quase o dobro do valor das comunidades medianas, com apenas um pouco mais de recursos e apoio. Isto não entra em conflito como uma outra ideia, também presente no relatório, de que o sucesso leva ao sucesso? As comunidades mais bem sucedidas não deveriam precisar de menos gestão e liderança?

O sucesso gera mesmo sucesso, em termos de empenho e valor. E sim, as comunidades maduras requerem menos tempo de gestão por membro do que as novas, mas ainda precisam de ir acrescentando recursos à medida que crescem.

Por exemplo, há comunidades com mais de um milhão de membros (grandes comunidades de clientes) com cinco pessoas na equipa da comunidade. Há comunidades internas, centradas no colaborador, com mais de 20 mil pessoas e apenas um profissional de comunidades a tempo inteiro. Isto é muito menos do que é necessário num modelo direto de gestão, mas ainda assim demasiado pequeno para poder acompanhar o crescimento e valor da comunidade.

O que temos descoberto é que as organizações pensam que podem conseguir comunidades a custo zero, mas as comunidades bem sucedidas precisam de governação, operacionalização, e pessoas que criem conteúdo para que se mantenham organizadas e a funcionar.

Nota: A versão desta entrevista em inglês foi publicada no Linkedin.

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