Miguel Pina e Cunha é um académico português, formado em Psicologia, com mestrado em Comportamento Organizacional e doutoramento em Gestão. Tem uma enorme lista de livros e artigos publicados, procurando com os primeiros descomplicar algumas teorias e abordagens organizacionais no sentido de provocar uma mudança de comportamentos nas organizações.
Recentemente li alguns dos seus artigos. Fiquei intrigada com a ideia dos paradoxos; alegre por vê-lo abraçar a expressão e as ideias por traz da expressão “aprendizagem organizacional”; entusiasmada pela forma como explora o papel do improviso na aprendizagem organizacional.
A propósito do improviso, e antes de partilhar uma curta entrevista que o Miguel gentilmente me concedeu por email, gostaria de abrir o apetite com umas ideias livremente traduzidas de um seu artigo recentemente publicado na “The Learning Organization”.
- A literatura sugere que tanto a improvisação convergente como a divergente podem contribuir para a aprendizagem.
- A improvisação convergente acontece com o objetivo de manter o status quo, lidando com possíveis ameaças ao que é considerado como o normal funcionamento da organização.
- A improvisação divergente empurra as fronteiras da normalidade organizacional, estimulando a desaprendizagem e a exploração (exploration).
- Em comum, ambas começam como algo não planeado, intencional por parte do agente e não sancionado. Passam geralmente despercebidas pelas camadas hierárquicas de topo, pelo menos até ao momento em que podem passar a assumir uma importância estratégica.
Vejamos então o que Miguel Pina e Cunha partilhou em resposta às questões que lhe enviei.
Sei que o seu grande interesse está, atualmente, nos paradoxos. No contexto da sua investigação, o que é um paradoxo?
Um paradoxo é uma oposição entre forças que se definem mutuamente e persistem no tempo. Por exemplo, entre mudança e estabilidade.
Porque se começou a interessar pelos paradoxos?
Porque comecei a perceber que as organizações excelentes são mais habitualmente as que percebem e sabem como tirar partido das contradições e das tensões da vida organizacional. O que constitui uma prática difícil e exigente.
A expressão “aprendizagem organizacional”, tal como “gestão de conhecimento”, são algo polémicas e durante muito tempo eram criticadas – “Como pode uma organização aprender? Não são as pessoas que aprendem? E como se pode gerir conhecimento, quando muito dele reside na cabeça das pessoas?”. Qual a sua opinião sobre isto, Miguel?
As pessoas aprendem mas o facto de uma pessoa aprender não significa que o conhecimento passe para a organização. Penso que o que torna interessante a aprendizagem ao nível organizacional é a sua dimensão coletiva – o modo como aprendemos uns com os outros. E muita dessa aprendizagem é tácita, situada.
Que impacto têm os paradoxos na forma como as organizações aprendem? E como é que as organizações devem lidar, ou tirar partido, desses paradoxos?
Aprendem tirando partido das contradições, usando-as como fatores de criatividade. Encontrando sinergias.
Num dos seus artigos mais recentes, fala de ambidextrismo integrativo como uma abordagem organizacional para enfatisar a forma como “exploration” e “exploitation” estão tão interligados. Chega mesmo a compará-los com o yin-yang. Nesse artigo, frisa também o quão difícil será para os líderes abraçar esta nova abordagem, que abraça a incerteza, que aceita as dinâmicas do contexto. Quão perto ou quão longe estão as organizações desta forma de liderança? Quais estão a ser, ou irão ser, as maiores dificuldades dos líderes atuais num cenário destes?
Há organizações que praticam esta arte. O Michael Tushman tem escrito abundantemente sobre elas. A dificuldade creio que começa precisamente na necessidade de ver o mundo como contraditório e paradoxal.
Que competências são importantes incutir na formação dos líderes?
Nesta linha, a capacidade de pensar paradoxalmente. De articular interesses diferentes. De juntar peças de conhecimento. Ser generalista e ser capaz de integrar.
Costuma escrever em coautoria com colegas de outros países. Nas conversas que tem com eles, notam diferenças de opinião significativas derivadas dos diferentes contextos culturais em que se encontram? Têm de se esforçar muito para encontrar ideias ou princípios suficientemente abrangentes para que sejam relevantes em diversos contextos culturais e nacionais?
Não é difícil. Temos uma linguagem comum, temas comuns, interesses comuns. Na verdade acho que nem penso neles como estrangeiros. Na academia essa noção é vivida de maneira diferente.
O Miguel tem também trabalhado muito a questão do improviso, de como este faz parte do dia-a-dia das organizações, de como é frequentemente ignorado e de como deveria ser explorado como fonte de conhecimento organizacional. Como venderia esta ideia a um gestor de topo numa breve viagem de elevador?
Dizendo que planear sem improvisar é tão incompleto como improvisar na ausência de um plano. O que é melhor: planos inflexíveis ou gerir ao sabor da maré?
Num país como Portugal, há um sério perigo de que “improviso” seja entendido como sinónimo de “desenrascanço”. O que distingue estas duas ideias?
Improviso é ajustar o plano à realidade. Mas tem um plano, uma intenção, um caminho pensado.
Para concluir, será que nos pode deixar com duas sugestões de práticas que as organizações podem adotar para criar ambientes e hábitos mais propícios à aprendizagem organizacional?
- Criar segurança psicológica, isto é tratar o erro honesto de forma justa, séria mas não castigadora.
- Nunca deixar de perguntar “porquê?”.