Victoria Ward

Victoria Ward

Victoria Ward foi uma das primeiras pessoas que conheço a ter um cargo explicitamente ligado à gestão de conhecimento (GC): Chief Knowledge Officer da NatWest Markets. Hoje em dia faz investigação, é coach, conselheira estratégica, e companheira daqueles que buscam criar mudanças duradouras, em si mesmos, nas suas equipas, nas suas organizações, ou no sistema em que as suas organizações se movimentam.

Nesta entrevista, fala de gestão de conhecimento, storytelling, e espaços de trabalho colaborativos.

De que forma é que a GC evoluiu desde a altura em que, nos anos 90, foi nomeada Chief Knowledge Officer do banco NatWest?

Hoje em dia já não trabalho muito com gestão de conhecimento, pelo menos não de forma direta. Assim, a minha resposta vale o que vale.

Por um lado, a minha perceção é de que não há muita evolução – os debates atuais sobre gestão de informação versus gestão de conhecimento, onde vive, que influência tem – parecem ecos dos debates em que participei em 1996 e 1997.

Por outro lado, vejo o renascimento e um novo racional para os princípios e práticas da gestão de conhecimento nos próximos anos.

O novo certificado é uma evolução. A gestão de conhecimento está a mexer-se e a alinhar-se com o posto de trabalho digital, com a aprendizagem, com a colaboração: está a adaptar a sua forma para criar alianças.

O surgimento da organização social é outra revolução. O aparecimento de grandes conjuntos de dados convida novas competências no discernimento e reconhecimento de padrões. Ser uma criadora de pontes entre pessoas e dados, criar e ser anfitriã dos espaços onde se produzem novo conhecimento e insights, sempre foi a minha conceção da gestão de conhecimento, e penso que se está a revelar cada vez mais relevante como um sistema de estabilização em rede dentro e entre as organizações.

Estou otimista.

Então parece-lhe que a gestão de conhecimento pode ser ainda mais importante agora, nesta altura de pandemia?

Sim. No Leading Edge Forum, temos feito evoluir a investigação e o programa de aconselhamento para o século XXI. É fascinante olhar para o conjunto de disciplinas no coração do que é ser um trabalhador do conhecimento eficaz.

No seu trabalho sobre humanos (‘Robot-proof: higher education in the age of artificial intelligence’), Joseph Aoun apresenta fortes argumentos para a necessidade de os trabalhadores se adaptarem à nova idade da máquina através de três capacidades chave: entendendo como é que as máquinas funcionam e como podem interagir como elas; tendo disciplina no que diz respeito aos dados; e sendo o mais humanos que conseguirem (gentis, ágeis, criativos, conectados, capazes de pegar e traduzir informação de um contexto para outro).

Esse é o mundo que a gestão de conhecimento tem procurado habitar e influenciar desde que me envolvi com esta área há 25 anos atrás; e uma comunidade ativa, determinação, e as disciplinas com que a GC se compromete podem ter uma papel fundamental numa resposta positiva à disrupção causada pela COVID-19. Estamos equipados!

Depois de sair da NatWest, a Victoria criou a sua própria empresa de consultoria e usou o storytelling como uma ferramenta diferenciadora na sua abordagem à gestão de conhecimento. O que é que torna o storytelling tão eficaz?

Desde cedo que me interesso pelo storytelling, olhando as histórias e o storytelling como poderosíssimas pequenas unidades, e como espaços locais para sense-making e troca e desenvolvimento de conhecimento e insights.

Essencialmente, o que sempre me interessou no storytelling é a forma como redistribui poder e autoridade, cria confiança e relacionamento entre pares, e faz o conhecimento e os insights moverem-se lateralmente.

Numa palavra, testemunhal. O storytelling cria sistemas testemunhais – tanto a ação de contar como a de ouvir histórias -, e reinventa o espaço entre pessoas.

De acordo com a sua perspetiva, o que é mais importante: a história ou o seu processo de criação?

Ambos. Tal como a dupla hélice do ADN: ‘Dois segmentos que serpenteiam em torno um do outro tal como um escadote torcido’ como se diz em www.genome.gov. O processo, local e imediato, de trocar e fazer sentido de ricos dados emergentes, cria um entendimento e um propósito partilhados.

A coprodução de uma história (em muitos formatos diferentes – lista, mural, imagem, guia, animação, guião, atuação) tem o poder de criar em conjunto algo que vai viajar e ter impacto num outro momento ou lugar, ou de criar um espaço de pertença e de valores e entendimento partilhados. E depois, o processo cria competências, e relações duradouras, capital social, memórias partilhadas e elos que criam sentido de propriedade, de pertença, e de compromisso entre as pessoas e entre estas e coisa criada.

Uma vez trabalhei como uma senhora chamada Noemi Fabry. Ela fez uma maravilhosa pesquisa sobre como pensar sobre uma história como tendo um lado interior e um lado exterior. Volto frequentemente a essa ideia.

Método seguido por Victoria Ward

Representação do método seguido por Victoria Ward. Imagem de Victoria Ward e Fernanda de Uriarte

 

Ultimamente tem-se focado nos espaços de trabalho colaborativos. O que caracteriza esses espaços?

O ano de 2019 foi fantástico. Tive oportunidade de trabalhar com a Dr Caitlin McDonald, antropóloga digital no Leading Edge Forum. O resultado foi o relatório ‘Reconfiguring the Collaborative Workspace: making the most of time, space, attitude’ que pode ser consultado gratuitamente e que tem sido incrivelmente relevante para a experiência de trabalho remoto em massa a que temos assistido nesta primavera de 2020.

Nesse relatório, citamos Nonaka (gestão de conhecimento!) pelo seu conceito de ‘ba’: um ‘espaço partilhado para relações emergentes’. O que é interessante no espaço de trabalho colaborativo é que está constantemente a ser renovado por um grupo ou equipa ao longo do tempo, a cada reunião, em cada documento ou espaço digital. A questão é então a da identidade, dos princípios, dos padrões, da cerimónia, do propósito partilhado, que dão origem a essa colaboração e cooperação e que criam movimento em direção a algo (ou para longe de algo).

Ainda mais interessante, sugerimos que o conceito de ‘ba’ nos leva para um espaço de trabalho colaborativo interno (um espaço interno partilhado para relações emergentes) que cada pessoa necessita de criar para poder convidar outras pessoas ou para se poder juntar e participar no espaço individual de outras pessoas.

Qual a relação entre espaços de trabalho colaborativos e espaços de trabalho digitais?

Mais uma ótima pergunta!

Não é uma relação ortodoxa. O espaço de trabalho digital oferece um número de plataformas e ferramentas, e acesso, análise e visualização de dados emergentes. Isso é entusiasmante.

Contudo, durante o isolamento sentimos que o espaço de trabalho digital reduz o contacto, ao mesmo tempo que estende o alcance global e destaca a rapidez. Um dos maiores desafios no espaço digital de trabalho é desacelerar as coisas, para criar os espaços mais lentos e mais ponderados que beneficiam a colaboração, a criatividade, o isolamento, e a cocriação de significado num ambiente de confiança*. Assim, para que a colaboração funcione no espaço de trabalho digital – e no presencial também -, é preciso descer um nível, às filosofias, aos padrões e práticas que criam um conjunto coerente de espaços de equipa ou trabalho, cohabitados simultaneamente por pessoas e dados.

De que forma é que a sua experiência em gestão de conhecimento influencia a forma como olha a criação de espaços de trabalho colaborativos?

A gestão de conhecimento torna-nos capazes de detetar a dinâmica entre os vários fluxos de conhecimento que se move entre o tácito e o explícito.

Uma abordagem historiada à gestão de conhecimento cria espaço para emoções complexas, e para um jogo da corda de sense-making fluido, em que todos os dados são relevantes para a compreensão e para a tomada de decisão. Sabendo isto, eu desenho, crio e faço a curadoria de espaços colaborativos que consideram muitas competências e camadas de produção de conhecimento.

Contudo, se eu tivesse de escolher apenas uma coisa, escolheria a curadoria – a curadoria de uma experiência colaborativa de uma forma que consolida os resultados de uma experiência colaborativa e que a ajuda esses resultados a avançar. Isto é um como referi anteriormente em resposta à questão do storytelling.

Consegue pensar num projeto que a tenha levado a reconsiderar premissas anteriores e talvez até mudar a sua forma de pensar?

Cada projeto simultaneamente reafirma e convida-me a reconsiderar o que sei. Não seria uma boa trabalhadora do conhecimento se assim não fosse!

Olhando para todos estes anos de experiência, que projeto escolheria como a melhor representação do seu trabalho, competência e abordagem à GC?

“Quality in mind”. Trabalhei em todos os níveis do processo e do produto; e o produto ainda hoje é usado na organização.

Para terminar, como vê o futuro da gestão de conhecimento?

Existe a possibilidade de a disciplina e a experiência de GC, informada pelo estudo da natureza humana, criar um novo abraço entre as pessoas e entre as pessoas e as máquinas, criar uma forma diferente de olhar a montagem da máquina-humana, ou pensar em termos de afinidade.

A gestão de conhecimento sempre foi relacional, no seu melhor, e é fantástica a constante vontade dos convertidos à GC de se envolver em buscas cooperativas para tentar entender o nosso futuro mundo do trabalho.

O que eu diria é que a GC, no futuro, necessita de estar mais alinhada com os antropologistas, os investigadores sociais, e os futuristas, sem perder as suas alianças com a aprendizagem e com a tecnologia.

Em 1996, a gestão de conhecimento para mim foi como atravessar o espelho da Alice e encontrar um mundo completamente diferente. Depois de vermos esse mundo, não é possível apagar essa visão. Que sorte tenho. E sempre teve a ver com trabalhar em conjunto enquanto seres humanos perspicazes, criativos, inteiramente envolvidos, que não se deixam ficar à porta e que prestam atenção a outros seres humanos num esforço coletivo.

* tradução livre de “messy making of meaning together in trust

Foto por Andreea Tufescu Photography

Nota: A versão desta entrevista em inglês foi publicada no Linkedin.

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