Jane McConnell

Jane McConnell

Conheci a Jane McConnell há uns anos numa conferência em Paris. Na sua apresentação revelou os resultados de mais uma edição do seu estudo anual sobre ambientes digitais de trabalho, o estudo que a tornou conhecida em todo o mundo. Desde então que nos temos mantido em contacto. Talvez por isso só recentemente me apercebi de que nunca a tinha entrevistado. Falha corrigida!

Nesta entrevista, Jane McConnell, analista independente com muitos anos de experiência no aconselhamento a grandes organizações e autora do livro The Gig Mindset Advantage, fala da gig mindset e de cultura organizacional.

Quando a conheci, a Jane estava focada em ambientes digitais de trabalho. O que a fez mudar o foco para a gig mindset? Que trajeto seguiu para chegar de um ponto a outro?

Tem razão, Ana, eu estava focada nos ambientes digitais de trabalho e agora voltei o meu interesse para o ambiente geral de trabalho. Esta mudança aconteceu com base nos dados. Vi o aumento da capacitação de pessoas que estavam a usar recursos digitais cada vez mais poderosos enquanto que, ao mesmo tempo, a atitude dos líderes de topo não estava a mudar. Menos de metade estavam ainda no estado “open and participatory” no que diz respeito às suas atitudes e comportamentos. Vi que estava a crescer um conflito e decidi investigá-lo. Escrevi sobre isto num artigo intitulado “The Emergence of the Gig Mindset – The Long Story”.

Imagine que ainda não li o seu livro e que não sei nada sobre o seu atual trabalho. Qual seria o seu elevator pitch para a gig mindset?

O trabalho com a gig mindset é o futuro das organizações. É uma forma de trabalho em que as pessoas tomam iniciativa, experimentam novos métodos, e partilham abertamente o seu trabalho. As pessoas com gig mindset interagem extensivamente em rede, partilhando e contribuindo com informação. Mantêm os olhos no que se passa no exterior. Não hesitam em questionar o status quo e frequentemente encontram novas formas de lidar com os problemas e desafios.

Hoje, a gig mindset é um movimento individual de baixo para cima. Amanhã tornar-se-á a forma de trabalhar aceite e encorajada.

No seu livro escreveu: “Today, the gig mindset is a bottom-up and individually driven movement. Tomorrow it will become the accepted and encouraged way of working, where leaders will be proud to say they have a gig-mindset work culture.” Acredita mesmo nisto?

Acredito 100% nisso!

De facto, acredito que as organizações com uma cultura de trabalho gig-mindset irão ter melhores resultados e aguentar mais do que as organizações com uma mentalidade tradicional.

Há algumas organizações que já estão nesse caminho. É muito mais fácil para as organizações pequenas do que para as muito grandes. As primeiras são mais abertas à mudança, mais abertas à ideia de deixar as pessoas gerir o seu trabalho, e tendem a ter líderes que sabem ouvir.

The Gig Mindset Advantage - capa do livro

Tem dados comparativos sobre como as organizações mais abertas à gig mindset conseguiram lidar com a COVID-19 comparadas com outras?

Não, não tenho esse tipo de dados. E duvido que alguém tenha.

No meu livro falo da forma como duas empresas trabalharam durante a pandemia: a BlueShore Financial e Air Liquide.

E como é que pensa ou vê a pandemia a afetar os gig mindsetters? Acha que lhes deu a força necessária para abraçar essa mentalidade? Ou será que os forçou a conformarem-se um pouco mais?

A pandemia não mudou assim tanto os comportamentos como as pessoas pensam. Para já, em mais de 50% as organizações, aumentaram as três seguintes liberdades:

  • a auto-gestão das pessoas, direcionando o seu trabalho dentro de processos genericamente estabelecidos (o que já é uma limitação sistémica);
  • as pessoas são encorajadas a experimentar e a ter iniciativa;
  • as pessoas são recompensadas pela resolução de problemas (esta foi a que registou o maior aumento).

Contudo, as liberdades individuais, genuínas e mais profundas, não aumentaram tanto.

Estes comportamentos estão ausentes em mais de metade das organizações e ainda são muito baixos nas restantes:

  • pessoas “empoderadas”, reinventando, encontrando atalhos;
  • tomada de decisão descentralizada até aos mais baixos níveis de responsabilidade.

Quando olhamos os números de 2016 vemos que a tomada de decisão descentralizada ainda não é a norma. Isto ainda é uma fraqueza das organizações e torna-as muito menos resilientes em tempos de mudança.

Eu pedi às pessoas para partilharem o impacto que a pandemia teve em cada uma delas e ouvi o seguinte:

  • conseguia fazer mais;
  • senti-me mais “empoderada”;
  • havia mais probabilidade de conseguir furar as regras.

De notar que estas reações são individuais e não atravessam equipas ou grupos.

Posso imaginar muitos cépticos a ouvir isso e a afirmarem: “Pronto! É exatamente por isso que não devemos nutrir essa mentalidade.” Como reagiria a isso? Que argumentos usaria para mostrar que quebrar as regras pode ser uma coisa muito boa?

Eu não disse que quebrar regras é um comportamento gig. A pergunta pedia às pessoas que compartilhassem o impacto que a pandemia teve sobre elas pessoalmente, e essas três foram as principais respostas.

A pergunta sobre “boas” violações de regras remete-nos para o contexto. A regra é útil ou é uma restrição hierárquica? A regra melhora algo na organização ou torna as coisas mais lentas?

Entrevistei um indivíduo da indústria farmacêutica que o expressou muito bem. Ele disse que deveríamos perguntar: “Quais são as actividades-chave para as quais precisamos ter processos? Quais são os processos que não nos devemos desviar? E quais são as coisas que realmente não importa como fazemos? E, o que podemos permitir às pessoas, contando que não façam nada ilegal ou contraditório à prática ou desonroso ou que provavelmente cause constrangimento ou enganos, por que não podemos deixá-los fazer isso?”

Será que o sistema educativo (abordagens letivas, sistemas de avaliação, currículos) deveria ser revisto para normalizar a gig mindset, potencialmente encorajando-a para que, no mínimo, as gerações mais novas lhe resistissem menos?

Não acredito que as pessoas sejam naturalmente resistentes à gig mindset.

A resistência vem de obstáculos sistémicos que forem sendo construídos no próprio tecido de como muitas organizações operam. Orientações, regras, gestão de desempenho, objetivos e por aí fora. Mais uma vez, este é o caso, especialmente nas grandes organizações.

Eu acredito no poder das narrativas para conduzir à mudança. De que forma é que os gig mindsetters podem moldar a narrativa global sobre o seu papel e o seu valor?

Podem fazê-lo contando histórias e ilustrando de que forma o comportamento da gig mindset beneficiou a organização. Isto irá chamar a atenção da gestão mais do que apenas falar dos comportamentos. Se tiverem exemplos fora da sua organização, isso também ser muito poderoso. Os líderes gostam de saber o que os outros andam a fazer.

Um dos meus clientes costumava ter sessões de fim-de-tarde com convidados externos. Ele convidava toda a gente a vir e disse-me que era interessante (e até divertido!) ver os líderes de topo no fundo da sala ansiosos por ouvir o que os convidados tinham para partilhar.

No que toca a influenciar outras pessoas, a forma mais eficaz de conseguir a mudança é através dos nossos próprios comportamentos. “Trabalhar em voz alta” (working out loud) e envolver os outros é uma forma poderosa de dar um pequeno empurrão à cultura do trabalho gig mindset!

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