Hank Malik é um gestor de conhecimento com muita experiência. Tem provas dadas em múltiplos programas de gestão de conhecimento (GC), combinando processos de partilha de conhecimento, colaboração, comunidades, aprendizagem, gestão de informação e ferramentas digitais, para alcançar resultados tangíveis em organizações de diferentes setores e continentes.
Tem os títulos de Master Certified Knowledge Manager (KMI) e de Chartered Knowledge Manager (CILIP).
Em 2020, Hank publicou o livro Knowledge Management: A primer and catalyst to support digital transformation. Antes, contribuiu para os livros The KM Cookbook, The Knowledge Manager’s Handbook (2nd edition) e The Palgrave Handbook of Knowledge Management.
A gestão de conhecimento e a sua larga experiência com lições aprendidas deram o mote principal a esta entrevista.
O que é a Gestão de Conhecimento?
Boa primeira pergunta! Quando começo uma conferência, digo sempre “se perguntar a 10 pessoas o que é GC, obterá sempre 10 respostas diferentes”. É aí que reside o desafio!
Para mim, a gestão de conhecimento é uma mistura de pessoas, processos, conteúdo, aprendizagem e tecnologia, com um forte enfoque na combinação da GC com a gestão de informação e, cada vez mais, com a gestão de dados.
Muitos puristas da GC irão sempre empurrar os lados das pessoas e da cultura, mas sem uma sólida plataforma de gestão de informação, processos, e procedimentos, o valor da GC pode ser bastante ténue e a demonstração do seu valor para o negócio pode ser difícil de mostrar – e, mais difícil ainda, de acreditar.
Quando implementada corretamente, com as competências e os recursos adequados, a GC também é um fator facilitador chave para a gestão da transformação em mudanças organizacionais importantes.
O Hank tem uma larga experiência de utilização de lições aprendidas – em diferentes países, culturas e sectores. Como descreveria as lições aprendidas a alguém que nunca ouviu deste instrumento da GC?
As lições aprendidas são um método ou processo fundamental para captura e transferência de conhecimento. Ajuda a capturar as importantes aprendizagens, experiências e insights de acontecimentos, atividades e projetos chave, para informar futuras melhorias de desempenho e evitar repetir os mesmos enganos.
As lições aprendidas, como método de GC, já existem há muito tempo. Foram originalmente introduzidas com sucesso em empresas de gás e petróleo, andando de mãos dadas com o conceito de “aprendizagem antes, durante e depois”.
É importante não confundir as lições aprendidas (que devem ser mais estruturadas e geridas – parte do aprender depois) com as “after action reviews” (eventos curtos e incisivos, parte do aprender durante).
Para que as lições aprendidas sejam bem sucedidas, é necessário capturar recomendações e resultados acionáveis com instruções claras, responsabilidades e prazos de implementação; caso contrário, as lições são apenas identificadas.
As lições aprendidas podem, no entanto, ser capturadas através de múltiplos métodos: desde abordagens mais formais com templates estruturados e workshops facilitados; até métodos mais informais, como a narração de histórias (storytelling), conversas, “anecdotal circles” e “knowledge cafés”. Em qualquer dos casos, as principais insights e experiências precisam de ser capturadas, transferidas, partilhadas e aplicadas efetivamente para a realização de benefícios.
Gostaria de ver mais gestores do conhecimento a apropriarem-se pessoalmente das lições aprendidas como uma ferramenta-chave nos seus toolkits de GC. Muitas vezes, vejo-a delegada para as áreas de Aprendizagem e Desenvolvimento ou de Recursos Humanos. Nós, na GC, podemos guiar e formar vários departamentos, e ajudar a gerir melhor os resultados.
O que faz das lições aprendidas uma ferramenta de gestão empresarial tão poderosa?
Para mim, as lições aprendidas são algo que se realiza após um evento chave ou após uma fase do projeto em que se realizaram atividades importantes. As lições aprendidas são uma boa forma de capturar e codificar os principais pontos aprendidos para que outros também possam beneficiar – para fazer algo positivo, melhor, mais rápido, mais barato ou mais seguro.
O método das lições aprendidas consiste, então, na captura de conhecimento valioso – tanto tácito como explícito – e na sua aplicação, oportuna e eficaz. Acredito que, para se obter o máximo de valor, é fundamental trabalhar com especialistas em melhoria contínua do desempenho (continuous performance improvement): têm treino em metodologias de melhoria de processos, como o LEAN e o Six Sigma, e podem usar as principais aprendizagens para implementar recomendações específicas, e depois medir e comunicar os progressos efetuados.
As lições aprendidas precisam de ser documentadas para terem valor? Qual é o papel das ferramentas digitais na aplicação deste método?
Penso que as ferramentas ou tecnologias digitais desempenham um papel muito importante para ajudar a capturar, categorizar, armazenar, pesquisar e disseminar as lições aprendidas. Acima de tudo pela sua capacidade de ajudar com a fácil identificação e codificação de aprendizagens, utilizando uma excelente ferramenta com categorização (tagging) e mapeamento de conteúdo incorporados, e a que todos os utilizadores possam aceder facilmente.
Uma vez codificadas as aprendizagens (utilizando uma solução costumizada – desenvolvida internamente ou por um fornecedor externo) as ferramentas analíticas digitais têm um valor inestimável para produzir estatísticas que demonstrem os resultados alcançados, e podem fazer toda a diferença. Portanto, sim, as lições aprendidas aprendizagens precisam de ser documentadas, promovidas e postas em prática.
As lições também podem ser capturadas através de técnicas comprovadas de storytelling e da utilização de vídeos ou blogs de vídeo (vlogs) com funcionalidade de pesquisa. Nestes casos, tratar-se-á sobretudo de conhecimento tácito, mas, ainda assim, muito útil para disseminar.
Pode partilhar um exemplo de lições aprendidas serem utilizadas com grande benefício para a organização?
Na minha carreira em GC, posso atribuir provavelmente os meus maiores êxitos à utilização de lições aprendidas: a aplicação das aprendizagens capturadas resultaram em benefícios para as pessoas e para a organização. Isto acontece especialmente quando aplicadas a grandes programas e projetos em que podem ser demonstrados benefícios tangíveis (por exemplo, redução de custos, saúde e segurança, ambiental, e melhorias de desempenho).
Tenho visto a utilização de lições aprendidas implementadas com sucesso em grandes programas e projetos, em particular na desenho, desenvolvimento, construção e operações de grandes projetos de petróleo, gás e infraestruturas. Aqui, os desafios de tempo, custo e valor são enormes, e lições que permitem reduzir o risco e viabilizam uma entrega mais rápida e eficiente podem ser extremamente valiosas quando partilhadas entre projetos.
Neste caso, é importante integrar as lições aprendidas nas principais fases do projeto com um mecanismo de feedback para alimentar melhorias contínuas do desempenho. Quando isto é feito corretamente, já vi projetos de GC traduzirem-se em poupanças de mais de 600 milhões de dólares.
Que oportunidades vê na introdução da inteligência artificial (IA) no processo de recolha e utilização das lições aprendidas?
A IA poderia potencialmente ajudar na identificação, no varrimento e no mapeamento de múltiplas aprendizagens, insights e captura de conhecimento, dentro de um domínio de conteúdo definido e controlado, e apenas interno às organizações. Numa primeira instância, as aprendizagens teriam de ser totalmente verificadas por especialistas na matéria. Os resultados da IA podem ser “criativos”, pelo que é importante não confiar nos resultados iniciais – eles são apenas um ponto de partida.
As interações humanas qualificadas para identificar potenciais aprendizagens são primordiais, e a colaboração e a comunicação são fundamentais. São atividades que a IA não consegue fazer bem. No entanto, a capacidade de introduzir a aprendizagem-máquina (machine learning) para identificar padrões e recomendações a partir de múltiplas aprendizagens pode definitivamente ter vantagens de redução de tempo e custos, gerando resultados mais rápidos que valerá a pena considerar.
Quais seriam as 3 principais dicas que daria a alguém que está prestes a começar a utilizar as lições aprendidas na sua organização?
- Consiga que as lideranças identifiquem e recomendem áreas que poderiam beneficiar de melhorias de desempenho ou que atualmente sentem as maiores “dores”. Resumindo, identifique as áreas de grande impacto.
- Introduza um conjunto de métodos e processos comprovados de lições aprendidas e dê formação aos colaboradores para que saibam capturar aprendizagens. Comece de forma simples e aumentar o seu perfil das lições aprendidas com workshops, de preferência presenciais.
- Após um período de avaliação, pondere introduzir uma ferramenta digital de lições aprendidas ou uma base de conhecimento de aprendizagens, mais estruturadas e que permitam automatizar a recolha, a validação e a disseminação das lições aprendidas.
Tem mais de 20 anos de experiência em gestão de conhecimento em todo o mundo. Que desafios é que as organizações atualmente enfrentam e que podem ser resolvidos pela GC?
Entre os domínios em que a GC deve ser certamente capaz de ajudar contam-se os seguintes:
- Reduzir o tempo gasto em busca da informação correta.
- Capturar e reutilizar melhor as aprendizagens, experiências e competências dos colaboradores.
- Encontrar mais rapidamente competências e conhecimento, internos e externos.
- Melhorar a partilha de conhecimento, a inovação, a qualidade e a produtividade.
- Promover uma colaboração mais eficaz e incentivar uma comunicação mais alargada.
- Ajudar a melhorar a tomada de decisão.
- Melhorar o desenvolvimento do conhecimento pessoal e o desenvolvimento de competências para a aprendizagem ao longo da vida.
Em 2020, você e Jordan Richards escreveram um livro com o título Knowledge Management: A primer and catalyst to support digital transformation. Durante grande parte dos últimos dez anos, todas as organizações têm falado e investido na transformação digital; uma percentagem muito pequena está a considerar uma adequada gestão de conhecimento. O que diria às organizações que ainda não compreenderam a ligação entre a GC e a transformação digital?
Há uma dependência cada vez maior da gestão da transformação digital. Infelizmente, vejo aparecerem muito poucos casos de estudo bem sucedidos. Penso que ainda estamos a dar os primeiros passos na colaboração entre a GC e a transformação digital. Embora já muito tenha sido escrito sobre o potencial desta parceria, ainda não vi benefícios tangíveis trazidos em conjunto pelas duas áreas.
Quando os dois têm espaço para se fundir com sucesso graças a uma liderança esclarecida, vejo benefícios reais: utilizar as novas tecnologias digitais disponíveis para melhorar a partilha de conhecimentos e a colaboração com o objetivo de resolver os principais desafios da empresa e transformar a GC em serviços acionáveis que geram valor.
A GC precisa de aumentar consideravelmente o seu perfil nos projetos de gestão digital e introduzir um quadro de princípios fundacionais de GC em que deve assentar o desenvolvimento de soluções digitais. A GC deve concentrar-se nas áreas interligadas da informação, colaboração, aprendizagem e pessoas, com processos de apoio que atuam como facilitadores essenciais para as ferramentas tecnológicas digitais. A GC é, em grande medida, a vertente “humana” da transformação digital e deve ser incluída desde o início nos planos de execução de projeto, com o olho na melhoria do desempenho e na realização de benefícios através das TI.
Para finalizar, digamos que lhe é dada a oportunidade de começar a GC a partir do zero numa organização. Quais seriam as suas 3 primeiras ações?
- Efetuar um levantamento inicial para ver onde se encontram os principais patrocinadores, influenciadores e apoiantes da GC. Se não conseguir encontrar nenhum, então o melhor talvez seja não começar com o programa de GC!
- Fazer um exercício amigável de auto-avaliação, uma espécie de exame médico para identificar as oportunidades e os desafios que a organização enfrenta atualmente. Procuraria recolher histórias e outras provas para suportar as minhas conclusões.
- Com base nas conclusões da avaliação, criar o business case e casos de uso engaging, para três pilotos em áreas diferentes. O objetivo seria testar e demonstrar que a GC contribui para alcançar os resultados esperados, e apresentar as conclusões ao Conselho de Administração / Patrocinador para que aprove a continuação de um programa com investimento.
Nota: Esta entrevista foi publicada no LinkedIn no seu original em inglês.