Acabei de ler este livro e não sei dizer se gostei ou não. Tem partes bastante boas, outras que não deviam ter sido publicadas.
O autor apresenta este livro como um inventário que reúne o seu conhecimento e como um balanço na forma de o partilhar com os leitores. São seus objectivos:
- explorar de que forma a filosofia define conhecimento e mostrar como é mais fácil geri-lo depois de saber o que é (a teoria do conhecimento deve anteceder a sua gestão);
- “analisar como o conhecimento é possível”; e,
- provar como a gestão de conhecimento (GC) deve começar pelo indivíduo.
Penso ter atingido o primeiro objectivo, tenho dúvidas quanto aos outros.
O livro está organizado em três partes.
A primeira, dedicada à definição e criação de conhecimento, acompanha a evolução da teoria do conhecimento a partir do período pré-socrático. O conhecimento surge, inicialmente, como um substituto para a visão mítica da realidade. É também considerado um produto da recordação, um resultado de conversas, luz que ilumina a realidade, etc.. Nesta parte o autor fala da importância das histórias, do erro, do ensino pela prática, da criatividade, da linguagem. Todos estes aspectos estão directamente relacionados com a gestão de conhecimento: é pena que o autor não tenha, explicitamente, explorado essa relação.
A segunda parte do livro debruça-se sobre a gestão de conhecimento e as ferramentas disponíveis. O autor dá nesta parte particular destaque à gestão de conversas, “um mecanismo para viabilizar um ambiente de desenvolvimento do conhecimento organizacional” (p 113) e fala de portais corporativos, ensino à distância, cultura organizacional, pornografia e ética, entre outros.
A terceira parte do livro é apresentada como um estudo de caso. Apesar disso, nada mais é do que uma dissertação teórica da importância da comunicação e do endomarketing para a colaboração organizacional. Tivesse esta parte um outro título, tenho a certeza de que a teria apreciado muito mais até porque oferece uma abordagem interessante à identificação de “ações de marketing de incentivos e do endomarketing que podem se transformar em práticas de mensuração, de motivação e de reconhecimento aplicáveis a portais corporativos para o compartilhamento do conhecimento organizacional” (p 171).
Como referi no início, este livro deixou-me confusa pois não gostei de alguns aspectos:
- Mendes define a gestão de conhecimento individual (GCI) como a gestão de conhecimento organizacional ao nível particular, isto é, “um conjunto de atividades que busca desenvolver todo tipo de conhecimento” num indivíduo. No entanto, um dos meus grandes problemas com este livro é a forma como o autor diz, várias vezes, que o capítulo que se segue é resultado de “uma GCI”. Em primeiro lugar, ninguém pode fazer “uma” gestão de conhecimento: a gestão de conhecimento é uma actividade continuada que se vai fazendo. Fazer “uma GC”, quando muito, pode querer dizer fazer uma actividade que se enquadra nos propósitos da gestão de conhecimento. Por outro lado, o autor parece chamar uma gestão de conhecimento individual à procura de documentos e externalização do seu conhecimento tácito. Ora, mais uma vez, isso é uma actividade (parte) que se pode encaixar na gestão de conhecimento mas que não pode ser confundida com o todo.
- Porque o livro se trata, na sua maior parte, da compilação de trabalhos realizados pelo autor durante o seu mestrado, há pouca consistência de tom e de formato (por exemplo, alguns dos capítulos têm interessantes questões para reflexão… mas nem todos). A sequência e a relação entre capítulos, nem sempre óbvias, parecem também ser resultado da forma como o livro foi construído, e o autor aborda aspectos que não fazem sentido num livro destes (e.g. ferramentas tecnológicas, pornografia).
- Mais grave do que estes dois aspectos, é o facto do título principal do livro não ter rigorosamente nada a ver com a temática do mesmo mas antes com a actividade que o autor pensa ter exercido para a sua elaboração, i.e. gerir o seu conhecimento.
Apesar destes aspectos negativos, devo dizer que o autor escreve bastante bem, usando uma linguagem cuidada e impressionando, aqui e ali, com um tom poético. Será este, no entanto, o tom adequado a um livro destes?
Os capítulos 1.5 e 3.1.2 são bastante interessantes: o primeiro sobre o que a criatividade significa para o conhecimento e para as organizações; o segundo uma concisa e alargada revisão da literatura sobre marketing e teorias de motivação.
A primeira parte do livro constitui leitura fascinante para quem se interessa por filosofia e deseja saber o significado e as interpretações do conhecimento ao longo da História por alguns dos mais conhecidos filósofos. Para alguém, como eu, que não percebe muito de filosofia, esta parte, especialmente os primeiros capítulos, são, surpreendentemente, interessantes e fáceis de ler (não necessariamente de entender – confesso que as palavras do filósofo, “só sei que nada sei”, me vieram várias vezes à cabeça!).
Segundo o autor, este livro vai buscar à filosofia a teoria do conhecimento que permite colmatar a falha dos livros de gestão de conhecimento já publicados. Foi pena não se ter ficado por este objectivo, conservando a primeira parte do livro e usando a segunda para relacionar os conceitos da GC ao anteriormente dito. Afinal, mais vale agradar muito a poucos do que pouco a muitos, não é verdade?
Sobre o livro:
Gestão do Conhecimento Individual – A Physis, o Homem, o Conhecimento e a Gestão: uma Abordagem Filosófica
Sérgio Peixoto Mendes. Visual Books Editora, Brasil, 2005.
Uma abordagem filosófica da Gestão do Conhecimento que ainda não havia visto em outro livro.
Pela primeira parte o livro me interessa. Fui mudando meus conceitos ao longo da vida. Quando jovem era puramente pragmático, hoje ressinto falta da filosofia. Sem uma teoria, o campo estudado fica inconsistente.