Este livro é sobre o sistema de ensino, sobre ensinar, aprender, e sobre o papel da tecnologia como um auxiliar neste processo.
O primeiro capítulo do livro é, para mim, uma obra de arte. Vale bem a pena comprar o livro para se ler o capítulo introdutório. É uma visão crua e realista dos reais problemas com o actual sistema de ensino americano: currículos rígidos, despreocupação com os interesses e motivações dos alunos, testes, etc.. Apesar de se concentrar no sistema de ensino americano (e de este ser bastante diferente do sistema de ensino português, por exemplo), existem inúmeros pontos comuns que tornam o livro igualmente relevante para quem vive fora dos Estados Unidos.
De acordo com os autores, o sistema desenvolve os currículos de ensino de forma a que os alunos aprendam as noções básicas antes de poderem evoluir para conceitos mais avançados. O problema com esta abordagem é que os alunos muitas vezes não vêem qualquer razão para aprender os conceitos básicos porque não há relação entre estes e os assuntos que verdadeiramente lhes interessam.
Num mundo ideal, o sistema de ensino identificaria os interesses de cada aluno e criaria situações para que ele/ela pudesse fazer algo relacionado (por exemplo, se gosta de cinema, por que não produzir um pequeno filme?). A realização de uma actividade iria dar origem a questões que, ao serem respondidas, constituiriam os conceitos básicos que o sistema tão desesperadamente tenta transmitir nas salas de aula.
Ao deixar os alunos formular as suas questões e procurar a informação necessária para tapar as falhas do seu conhecimento, esta abordagem ajuda os alunos a categorizar e guardar o conhecimento no seu cérebro. Actualmente, porque se quer que os alunos aprendam sobre assuntos que não lhes dizem nada, não existem nos seus cérebros locais lógicos para guardar a informação que lhes é transmitida e esta é rapidamente esquecida.
Os alunos terminam os seus cursos a saber melhor como enganar o sistema e ter boas notas do que propriamente a saber aquilo que o sistema tão desesperadamente lhes tenta ensinar.
Hoje em dia, os professores desempenham três funções principais: seleccionadores, apresentadores e avaliadores. Na verdade, os professores deveriam antes desempenhar o papel de brainstormers, gestores e líderes. A razão principal pela qual tal não acontece são os currículos impostos e inflexíveis.
Ter um currículo rígido significa que os professores têm de se concentrar em transmitir toda a informação necessária no tempo disponível. Tal não deixa tempo livre para muito mais. Por sua vez, o currículo fixo é necessário porque facilita a avaliação dos alunos e porque a relação de um professor por cada 30 alunos não permite uma abordagem personalizada.
A resposta para este problema parace ser tecnologia. Não que a tecnologia vá substituir os professores, mas porque pode oferecer aos alunos a possibilidade de experimentar cinco importantes arquitecturas de ensino não possíveis devido à limitações identificadas acima:
- aprender através da acção com base em simulação;
- aprendizagem acidental;
- aprendizagem por reflexão;
- ensino com base em casos; e,
- aprendizagem através da exploração.
Os autores discutem de seguida cada uma destas arquitecturas e aproveitam a oportunidade para descrever algumas das ferramentas de software que desenvolveram no Institute for the Learning Sciences (ILS). Dustin, GuSS, Road Trip, Creanimate e ASK são apenas algumas das ferramentas descritas no livro. Algumas foram usadas em empresas, outras em escolas, mas todas elas oferecem aos alunos a oportunidade de aprenderem sobre aquilo que lhes interessa, ao rítmo que preferem.
Os últimos capítulos do livro oferecem um olhar sobre o futuro, nomeadamente sobre o futuro dos livros, dos clubes de vídeo e dos negócios. O futuro destes três conceitos depende da forma como as pessoas forem capazes de questionar pressupostos e considerar canais e formatos alternativos. Dado que o livro foi publicado em 1995, algumas das ideias “futuristas” já não o são. De qualquer forma, o livro ainda puxa pela nossa imaginação para que consigamos visualizar o que a tecnologia nos permitirá fazer num futuro não muito distante.
Em resumo, os dez principais erros do sistema de ensino são:
- As escolas agem como se a aprendizagem pudesse ter lugar independentemente da prática
- As escolas acreditam que devem avaliar os alunos
- As escolas acreditam que precisam criar um currículo rígido
- Os professores acreditam que sabem o que é mais importante para os alunos aprenderem
- As escolas acreditam que a instrução pode ser independente da motivação
- As escolas acreditam que o estudo é uma parte importante da aprendizagem
- As escolas acreditam que os alunos devem ser agrupados por idades
- As escolas acreditam que os alunos precisam de notas para se sentirem motivados
- As escolas acreditam que a disciplina é um elemento inerente da aprendizagem
- As escolas acreditam que os alunos terão interesse em aprender o que quer que seja que as escolas lhes quiserem ensinar.
E as oito coisas que as escolas podem fazer (com ou sem tecnologia) são:
- fazer, não rever
- respostas possíveis, não respostas certas
- diversão, não disciplina
- grupos de interesse, não grupos etários
- projectos visíveis, não rejectos invisíveis
- escutar e precisar, não ouvir e ler
- motivação, não resignação
- diversão diversão diversão.
Apesar de, como disse anteriormente, o primeiro capítulo ser, para mim, o melhor, também o segundo e o quarto capítulos são bastante interessantes. O segundo capítulo é sobre memória e aprendizagem e sobre a importância dos casos, das questões e das histórias. O quarto capítulo fala dos princípios da aprendizagem natural tal como evangelisada pelo movimento progressista.
Este não é um livro recente como os que geralmente comento. Nem sequer é directamente relacionado com a temática do portal KMOL. Mas… eu tinha mesmo de escrever sobre ele. Engines for Education inspirou muito do meu trabalho sobre o papel da tecnologia no ensino, nomeadamente sobre como possibilitar aprendizagem online.
Quando estava a terminar a minha licenciatura, usei a versão electrónica do livro. Consegui finalmente tempo para ler o livro. Eu sei, eu sei… isto vai contra a ideia que está na base do trabalho de Schank, Cleary e o resto da equipa no ILS (Roger Schank está agora à frente da Socratic Arts). Acho que sou umas daqueles pessoas que gosta de tocar no papel, cheirar as palavras e enrolar-se na cama enquanto consumo o que outros decidiram partilhar comigo.
Estava curiosa para saber de que forma este livro, claramente escrito sob a perspectiva da aprendizagem individual nas escolas, poderia ser interpretado por alguém que se preocupa essencialmente com a aprendizagem organizacional e com a aprendizagem individual no contexto das organizações. Desse ponto de vista, fiquei desiludida (penso que terei falhado na medida em que as minhas expectativas não se verificaram – mas por isso aprendi). No entanto, há algumas ideias interessantes que se podem aplicar à aprendizagem organizacional. A principal é provavelmente o uso de histórias como forma de transmitir conhecimento e informação.
Sobre o livro:
Engines for Education
Roger C. Schank e Chip Cleary. Lawrence Erlbaum Associates, USA, 1995.
Adorei o conteudo do livro acima e gostaria de adquiri-lo,como proceder pra ter o livro??
Manuel, não sei se é vendido em Portugal. No entanto, sei que o pode encontrar na Amazon UK
e na Amazon USA
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