The Wisdom of Crowds

The Wisdom of Crowds: Why the Many Are Smarter Than the Few

Publicado em 2004, é considerado por muitos como leitura obrigatória para quantos se interessam por inteligência organizacional, informação, colaboração, processos de tomada de decisão e outras “coisas sociais”. O livro The Wisdom of Crowds (em português A Sabedoria das Multidões) tem andado comigo há algum tempo (os cantinhos da capa estão já encaracolados de tanto passeio). A verdade é que não estava a encontrar tempo para o terminar. Mas agora que o terminei, tenho vontade de o ler novamente. Deixem-me dizer porquê.

No The Wisdom of Crowds Surowiecki defende que “nas circunstância certas, os grupos são extraordinariamente inteligentes, e são muitas vezes mais inteligentes que os seus elementos mais inteligentes” (p xiii). Esta tese, que suporta todo o livro, fascina-me. Eleva a importância do “social”. E, no entanto, questiona em parte se a partilha de conhecimento e informação, em determinadas circunstâncias, não produzirá resultados piores (ver capítulos 9 e 11).

As multidões podem ajudar com três tipos de problemas: cognição, coordenação e cooperação. E as multidões inteligentes dependem de diversidade de opinião, independência, descentralização e agregação. Todos estes pontos são descritos, analisados e ilustrados na primeira parte do livro.

A segunda parte concentra-se na aplicabilidade da sabedoria das multidões a diferentes contextos: trânsito, ciência, comités, empresas, mercados e democracia. Curiosamente, Surowiecki afirma que a democracia não é um cenário em que se aplique a sabedoria das multidões. Isto porque não existe uma resposta certa – o que uma pessoa considera ser o bem comum pode não o ser para outra pessoa.

Porque há imensos resumos deste livro (ver aqui e aqui, por exemplo), gostaria de aproveitar a oportunidade para partilhar aqui algumas ideias que me vieram à cabeça durante a leitura deste trabalho. Espero que estas ideias e provocações, sirvam de incentivo para que (re)leiam o livro, de ponto de partido para as vossas próprias reflexões e, quem sabe, de ignição para um trabalho de investigação mais profundo.

Comunidades de prática

Não posso garantir mas penso que Surowiecki nunca usa neste livro a expressão “comunidades de prática”. Porém, não pude deixar de pensar neste tipo de redes sociais várias vezes enquanto o lia.

“Os grupos mais inteligentes (…) são compostos por pessoas com perspetivas diversas que são capazes de se manter independentes umas das outras.” (p 41)

Não é essa uma caraterística das comunidades de prática? (E, já agora, o oposto do que acontece numa equipa de projeto ou numa equipa funcional?)

“Os grupos beneficiam das conversas e aprendizagem entre membros, mas demasiada comunicação pode, paradoxalmente, tornar o grupo menos inteligente enquanto um todo.” (p xix)

Como é que isto se relaciona com a quantidade de pressão que impomos às comunidades para que tenham uma maior percentagem de membros “ativos” e muitas interações? Não temos tendência até para contar o número de entradas e comentários em comunidades online?

Títulos académicos

Aqueles que me conhecem sabem o quanto desgosto de títulos académicos. Eu sou Engenheira porque tirei essa licencitura. E aqueles que nunca estudaram Engenharia mas trabalharam como engenheiros toda a vida? Saberão menos do que eu por causa disso? Acredito que não.

E mesmo que, como alguns dizem, o título seja usado para reconhecer o esforço daqueles que se aguentaram o estudo universitário, continuo em total desacordo. Primeiro porque muitos dos que não frequentaram a Universidade não o fizeram porque não tinham disponibilidade financeira e não tiveram outro remédio senão ir trabalhar. Segundo, porque basta olhar para muitos dos alunos universitários para perceber que a passagem pelo ensino superior pode ser uma boa oportunidade para muita farra à custa dos pais.

Mas uma das muitas experiências descritas no livro realça a principal razão pela qual não gosto de usar títulos académicos – o facto de que conferem (falso) conhecimento e sabedoria a quem os enverga.

“Uma série de experiências com aviadores militares a quem se pediu para resolver problemas de lógica, revelou que era muito mais provavel os pilotos falarem convincentemente em defesa das suas respostas do que os navegadores, mesmo quando os pilotos estavam errados e os navegadores estavam certos.” (p 187)

Ferramentas para a organização inteligente

Olhando para os casos de organização 2.0 geralmente apresentados em eventos, pode rapidamente perceber-se a necessidade de uma maior integração entre ferramentas (por exemplo aqui). A integração, porém, é difícil. Por muitas e variadas razões. Uma abordagem alternativa é a agregação de conteúdo: assegurar que o conteúdo está (ou vem para) um mesmo local central onde pode ser interpretado. No entanto, o que Surowiecki diz é que talvez não seja tão importante agregar toda a informação – talvez o mais importante seja disponibilizá-la e deixar que a comunidade a interprete com base no conhecimento de cada um dos membros.

“a melhor ferramenta para apreciar o significado coletivo da informação que a comunidade recolheu era a sabedoria coletiva da comunidade”

“o que as empresas deveriam procurar: formas de dar aos seus colaboradores incentivos para desvendar e agir com base em informação privada” (p 209)

Adoção de ferramentas nas organizações

Há diversas abordagens que aumentam a probabilidade de uma ferramenta ser adotada numa organização, ou o sucesso da partilha de conhecimento e colaboração. Uma das formas é tornando os benefícios pessoais perfeitamente claros para as pessoas.

“para que a colaboração seja bem sucedida tem de tornar cada cientista mais produtivo” (p 162)

Outra abordagem é criar cenários (ferramentas), mostrar o que pode ser feito, e deixar as pessoas encontrarem, por si mesmas, a melhor forma de tirar partido destes contextos. E as pessoas, as multidões, conseguem ser muito boas a coordenarem-se entre si, mesmo que não saibam que o estão a fazer.

“Como podem as pessoas voluntariamente (…) fazer com que as suas ações se encaixem de forma eficiente e ordeira?” (p 86)

Mudança cultural

Houve uma linha de raciocínio no livro que me fez pensar em aspetos de processos de mudança cultural. Tinha a ver com a cascata de informação que frequentemente se observa nas organizações (o nível de cima comunica ao imediatamente abaixo e assim sucessivamente) e o uso de histórias. Será que estamos a permitir que as histórias organizacionais e a cascata de informação perpetuem a cultura contrária à pretendida? Como é que isto se relaciona com o trabalho de Stephen Denning? Como calamos as histórias que não queremos? E como podemos reduzir a preponderância da comunicação de cima para baixo?

Sou uma crente na possibilidade de provocar a mudança a partir de baixo. Passei por isso e, em parte, consegui-o. É bom encontrar argumentos favoráveis no The Wisdom of Crowds:

“muitos problemas de coordenação requerem soluções de baixo para cima, e não de cima para baixo” (p 86)

“o que cada pessoa faz afeta e depende do que todos os outros irão fazer, e vice versa” (p 86)

(Estou a iniciar o Switch: How to Change Things When Change Is Hard de Chip Heath e Dan Heath. Retomarei este tópico em breve quando estiver pronta para partilhar aqui a minha opinião sobre esse livro.)

O número de páginas – 271 – e as letras pequeninas fizeram com que a leitura deste livro parecesse um grande desafio. No entanto, tenho de dizer que foi um enorme prazer ler o The Wisdom of Crowds. Está muito bem escrito, usando linguagem simples e raciocínios claros. O autor vez um excelente trabalho de pesquisa, olha para os argumentos de vários ângulos, questiona as suas próprias teorias, e oferece inúmeros exemplos que dão vida aos conceitos apresentados. Entre estes exemplos, estão experiências académicas mas também eventos ou entidades “reais” como a Google, os mercados de decisão, o Linux, o processo de definição de preços, os Quakers, o desastre do Columbia, a Zara, etc..

Tenho de concordar que o The Wisdom of Crowds é uma leitura obrigatória para os interessados em informação, colaboração, tomada de decisão e “coisas sociais” e uma leitura de extremo interesse para todos aqueles que se interessam pela vida e pela sociedade.

“a multidão é cega para a sua sabedoria” (p 36) e eu acrescentaria que todos nós ainda somos cegos para a sabedoria da multidão.

The Wisdom of CrowdsSobre o livro:
The Wisdom of Crowds: Why the Many Are Smarter Than the Few
James Surowiecki. Abacus, Reino Unido. 2005.

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