Designing Knowledge é um livro da coleção “The Rightful Place of Science” publicada pelo Consortium for Science, Policy & Outcomes. Neste livro, Clark A. Miller e Tischa A. Muñoz-Erickson propõem-se descrever como melhorar o desenho e a utilização do conhecimento, seja ele organizacional ou num contexto mais alargado como sejam cidades.
“Only by thoroughly understanding the dynamics and organization of knowledge systems can leaders and knowledge professionals who support them reduce the number and intensity of major knowledge failures.” (p 4)
Baseando-se na definição de Heather E. Douglas no seu livro Science, Policy and the Value-Free Ideal, o termo “knowledge” é usado como sinónimo de “knowledge claims“, isto é, afirmações que visam oferecer insights e factos sobre o mundo em que vivemos, seja ele natural ou social. Estes “knowledge claims” resultam de uma combinação entre factos e valores, e são produtos de epistemologias. Assim, é de sobremodo importante ter consciência dos valores em jogo.
Os autores defendem que o conhecimento é um produto daquilo a que chama sistemas de conhecimento (knowledge systems). Um sistema de conhecimento é definido como um conjunto de rotinas e práticas que desempenham quatro funções:
- geração de conhecimento – “the act of creating a knowledge claim” (p 53);
- validação de conhecimento – a revisão, crítica, avaliação e verificação de knowledge claims;
- circulação de conhecimento (ou comunicação) – a troca, transmissão e tradução de knowledge claims de um grupo para outro;
- aplicação de conhecimento – o ter o conhecimento em conta no momento de tomar decisões.
“The purpose of designing knowledge (…) is to know what we know, how and why we know it, and what we don’t know”, i.e. “designing knowledge entails designing a knowledge system that we know and understand”. (p 23)
Mapear um sistema de conhecimento existente é uma atividade importante que envolve cinco passos:
- mapear as fronteiras;
- mapear os conteúdos e incertezas;
- mapear os valores e os standards do sistema de conhecimento;
- mapear as epistemologias;
- mapear as estruturas e fluxos de conhecimento.
Da dinâmica e dos conflitos entre sistemas de conhecimento emergem três formas diferentes de complexidade: organizacional ou estrutural; operacional ou dinâmica; e política.
Seria extremamente difícil refletir estas complexidades no momento de mapear os sistemas de conhecimento. Assim, há que ter sempre em conta que os mapas de sistemas de conhecimento tendem a simplificar radicalmente o processo de fazer e usar conhecimento.
Para terminar o livro, os autores oferecem algumas recomendações práticas para ajudar a criar “knowledge-aware organizations”. Estas organizações são caracterizadas por ter empregados e líderes que reconhecem o significado dos seus sistemas de conhecimento, estão conscientes dos seus pontos fortes e das suas limitações, e conseguem responder de forma adequada quando esses sistemas se deparam com novas circunstâncias que ameaçam a sua confiabilidade.
Para que isso aconteça, as organizações têm de praticar “refletividade” que consiste em observar, avaliar, refletir sobre, e reformar os seus sistemas de conhecimento quando necessário.
Para criar organizações reflexivas e knowledge-aware, podem ser usadas três estratégias:
- melhorar o alinhamento entre o conhecimento e a tomada de decisão – através de um modelo instrumental ou de um modelo de coprodução;
- desenvolver um modelo e estratégias para a inovação dos sistemas de conhecimento;
- criar uma capacidade profissional para a gestão dos sistemas de conhecimento.
“The cure to persistent uncertainty is to pay careful attention to the practices of knowledge making.” (p 144)
Os autores recorrem a quatro exemplos principais para, ao longo do livro, ilustrarem os conceitos e práticas narradas: o furação Katrina, o fornecimento de água numa cidade do estado norte-americano de Michigan, a mudança climática, e a informação nutricional dos alimentos. Apesar de interessantes, exemplos tão vastos e sistémicos fazem com que as ideias apresentadas sejam mais difíceis de transportar e relacionar com a realidade das organizações.
Demorei imenso tempo a concluir a leitura deste livro. Mas não pela sua falta de interesse ou qualidade.
Inicialmente, não reagi bem aos termos usados pelos autores: “designing knowledge” ou “making knowledge”, por exemplo, pareceram-me muito estranhos. À medida que fui avançando, fui-me habituando um pouco a estes termos mas ainda assim fui “obrigada” a uma reflexão sobre a terminologia associada à gestão de conhecimento (não pela primeira vez).
Destaques pessoais
A expressão “designing knowledge” causa-me estranheza, mas provavelmente tanta estranheza como a que a expressão “gerir conhecimento” causa a muitas pessoas. Penso que, da mesma forma que quando falamos em gestão de conhecimento falamos da gestão das condições (culturais, infraestruturais e processuais) para a criação, partilha, retenção e utilização de conhecimento, “designing knowledge” diz respeito ao desenho e criação de sistemas para a geração, validação, circulação e aplicação de conhecimento.
Apreciei bastante a forma como este livro me obrigou a pensar sobre os “sistemas” relacionados com o conhecimento. A linguagem usada propõe uma lente quase mecanicista para olhar o conhecimento organizacional. E ainda que veja o perigo de olhar para o conhecimento organizacional apenas desta forma, esquecendo os elementos mais humanos e culturais, esta perspetiva, crua e mecanicista, desafiou-me bastante.
Os autores defendem que os processos de criação de conhecimento e de tomada de decisão têm uma relação bidirecional através da qual se influenciam mutuamente. Para mim, isto é quase como o fechar de um círculo que une a atividade (a criação de conhecimento) ao propósito (tomada de decisão), e de volta como forma de ir continuamente fortalecendo a perfeiçoando a base de conhecimento.
Ao ler sobre esta relação bidirecional, lembrei-me do trabalho de Miguel Pina e Cunha, que descobri recentemente e que olha para o improviso como fonte de aprendizagem organizacional: mais um outro círculo virtuoso por explorar.

A relação bidirecional entre os processos de criação de conhecimento (K) e de tomada de decisão (D) e que geralmente se encontram em complexos cenários de muitas ligações e dinâmicas
“Os líderes de alguns dos negócios mais bem sucedidos no mundo atribuem o seu sucesso à forma como adquirem o seu conhecimento e aos profissionais de conhecimento que os podem ajudar a melhor entender esses sistemas” (p 105). Infelizmente, “os sistemas organizacionais de conhecimento não são suficientemente bons” (p 105) e a maior parte das organizações não tem consciência dessa sua fragilidade.
Nota: Este texto foi também publicado em inglês no Linkedin.
Sobre o livro:
The Rightful Place of Science: Designing Knowledge
Clark A. Miller e Tischa A. Muñoz-Erickson. CSPO, EUA, 2018.