Este livro vai para a minha lista de Top 5 livros de Gestão de Conhecimento. Tal como a recente norma ISO que motivou a sua escrita, o The KM Cookbook não lhe vai dizer “como” fazer gestão de conhecimento (GC; em inglês Knowledge Management – KM). Contudo, está cheio de exemplos de como se pode gerir conhecimento. Permita que estes lhe sirvam de motivação e inspiração para conseguir fazer a GC acontecer na sua organização.
O recente lançamento da norma ISO para “Knowledge management systems” e do estatuto de “Chartered Knowledge Manager” para profissionais, faz deste um momento chave para a profissionalização da Gestão de Conhecimento. Estes dois acontecimentos foram o mote para que Chris Collison, Paul Corney e Patricia Lee Eng escrevessem este livro. E que livro!
A ideia surgiu nas mentes do Chris e do Paul durante um jantar à beira do rio Tejo, em 2017 depois de uma masterclass no Social Now. E se um restaurante serviu de palco à ideia, serviu também de metáfora para estruturar o conteúdo de todo o livro.
O livro começa com um capítulo sobre a norma ISO 30401:2018 “Knowledge management systems”.
A norma dá um enquadramento para a gestão de conhecimento e responde a questões sobre o que é um programa de gestão de conhecimento e sobre o que se pede a um gestor de conhecimento. Reconhece o contexto e as características únicas de cada organização e, como tal, aponta o “quê” e não o “como”.
Esta norma segue a mesma estrutura da ISO 9001, definindo requisitos e recomendações em sete áreas: contexto organizacional, liderança, planeamento, suporte, operações, avaliação de desempenho e melhoria.
Depois de um resumo da norma e dos seus principais requisitos, os autores vão mais fundo nas funções e características de um sponsor de GC, formas de implementar a GC (big bang, bottom-up, pilotos, etc.), como contratar consultores, e ferramentas e processos que podem ser usados no contexto da GC.
Um dos primeiros passos da GC é definir os objetivos para a organização. Esses objetivos devem estar alinhados com os objetivos estratégicos da organização e as atividades previstas devem ser mapeadas dentro do triângulo de ligar-recolher-criar (connect-collect-create).
No capítulo 8, os autores apresentam o KM Chef’s Canvas. Este conjunto de 57 perguntas, agrupadas em 12 áreas, pretende estimular o diálogo, ajudar as organizações a explorar os seus programas de GC e, caso pretendam, a prepararem-se para a norma ISO de GC.

O KM Chef’s Canvas oferecido no livro como um instrumento para orientar a reflexão sobre GC e, caso o pretendam, ajudar as organizações a prepararem-se para a norma ISO 30401
O maior fator “uau!” deste livro é a quantidade e diversidade dos exemplos apresentados: são 16, de organizações públicas e privadas, de todos os setores e de países em todos o mundo. Existe até uma brasileira – a PROCERGS. Gostei também particularmente da formo como cada exemplo é estruturado, entrelaçando palavras dos autores com palavras daqueles que coordenam a GC em cada uma das organizações.
Sobre os Objetivos
Analisando os exemplos no livro, os principais objetivos para a GC são a retenção de conhecimento e a não duplicação de erros e trabalho.
Como tal, muitas das organizações estão a unir a GC e a aprendizagem. Por exemplo, a Saudi Aramco mantém um mapa que identifica as falhas de conhecimento que existem na organização. A equipa trabalha com o objetivo de colmatar essas falhas e o programa de transferência de conhecimento tem um indicador de avaliação muito específico – o número de falhas colmatadas.
Na Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido, Christine Astaniou, descreve a função da sua equipa de GC como “ensure that knowledge is flowing – that people have got the skills, knowledge and behaviours they need to conduct our work effectively, efficiently and consistently”. Eficazmente, eficientemente e consistentemente são uma fantástica combinação de advérbios para descrever a forma como as organizações devem trabalhar. Faz-me lembrar o “lema” da Headshift – “smarter, simpler, social” – mas numa linguagem que talvez continue a encontrar um caminho mais fácil até aos ouvidos das camadas de decisão.
Sobre Estratégia
Há muito que admiro o trabalho da PROCERGS e a forma como abraçaram e conduzem o seu programa de GC. Começou pequeno, cresceu e hoje é uma prática sólida com ligações muito fortes aos seus objetivos de inovação constante.
Fiquei muito impressionada com a abordagem do The World Bank. A organização definiu um plano que inclui trabalho de base com resultados esperados a médio e longo prazo, e iniciativas com resultados mais imediatos que se podem mostrar às pessoas para as convencer dos benefícios da GC. Esta abordagem – curto prazo e médio/longo prazo – não é única mas gostei da forma como é detalhada no livro.
“We’re building our whole programme based on professional pride and human generosity”
Dan Ranta, Knowledge Sharing Leader at General Electric
Sobre Servir Conhecimento
Ainda sobre a experiência do The World Bank, irei reter a forma como estão a usar machine learning para criar pacotes de conhecimento que combinam dados e informação de múltiplas fontes. Estes pacotes de conhecimento são utilizados para ajudar os consultores do Banco a conseguir um arranque mais rápido e mais eficaz de novos projetos.
Esta ideia de empacotar o conhecimento em formatos convenientes e entregue no momento em que é mais relevante, está também por trás dos livros de bolso produzidos pela equipa dos Médecins Sans Frontières para que os seus colaboradores possam ler no avião no momento em que são enviados para missões de emergência.
Sobre Comunidades de Prática
A General Electric, a Schlumberger e a Syngenta são três organizações que optaram por abordagens muito estruturadas às comunidades de prática.
Na Schlumberger, cada comunidade realiza eleições democráticas para determinar o líder da comunidade nos 12 meses que se seguem. As comunidades são vistas como um instrumento estratégico e a organização espera que elas produzam algo de valor para o negócio.
Da mesma forma, cada uma das comunidades da General Electric tem um indicador de desempenho que liga diretamente a um dos objetivos de negócio.
Alguns poderão argumentar que este tipo de formalização, da existência de “entregáveis” e da instituição de indicadores de desempenho fazem com que estas estruturas não sejam comunidades de prática. Contudo, a mim não me interessa muito que nome lhes é dado desde que estejam a acrescentar valor.
A General Electric usa análise dinâmica de redes organizacionais para tornar visíveis a densidade e frequência das interações entre os membros das comunidades. A informação é usada para identificar os membros mais ativos, para os usar de forma a inspirar outras pessoas, e para que os coordenadores possam pedir mais dos seus membros menos participativos.
Sobre Jogos
Há vários organizações a usar jogos no contexto da gestão de conhecimento. Mas as suas utilizações podem ser muito distintas, tanto em termos de propósitos, formatos e sofisticação: a Médecins Sans Frontières combina realidade virtual e gamificação para treinar os seus profissionais e os preparar para o que vão encontrar no decurso de uma missão; do outro lado do espetro, temos a Saudi Aramco que recorre a jogos manuais, feitos em cartolina, para demonstrar o valor da GC.
Sobre Wikis
Fiquei surpresa ao ler mais vezes falar de wikis do que de intranets ou outros tipos de ferramentas digitais. Não sei bem como interpretar esse facto. Será que estas organizações apostaram em wikis numa altura em que essa era a melhor opção? Será que ainda os mantêm porque os wikis se mantêm como a melhor opção? Será que as tradicionais intranets não servem o tipo de trabalho, atividades e comportamentos associados á GC?
Talvez o maior momento “uau” para mim tenha sido ler sobre o “wiki-as-a-service” criado pela General Electric:
“you just hit one button and the collective discussion – maybe five or six people who opined around the world on a particular topic in a forum – goes right to our team […]. They write the wiki article based on the discussion and you have effectively turned that ‘water cooler conversation’ into something that’s more powerful and put it in a fluid, dynamic environment where others can add to the knowledge over time.”
Uau!
Os autores decidiram usar a metáfora da culinária e dos restaurantes em todo o livro. Pessoalmente, por vezes senti que a metáfora estava a ser usada em exagero, especialmente nos capítulos iniciais. Contudo, o tom prático do livro, a forma como está estruturado e a quantidade e diversidade dos exemplos, fazem com que esse ponto seja praticamente irrelevante.
A experiência acumulada dos autores sente-se em cada página: no conceito e estrutura do livro, nos artefactos que criaram (o KM Chef’s Canvas, por exemplo), e na forma como conduziram as entrevistas de forma a compor os 16 principais capítulos onde se lê sobre a abordagem das diferentes organizações à GC.
Deixo uma palavra final para o website do livro. Nele pode encontrar a história por trás do livro e as perguntas que serviram para orientar as entrevistas às 16 organizações.
Se alguém tinha dúvidas sobre o estado vital da GC, este livro prova que a GC está bem viva e a acrescentar valor em muitas organizações. Abracemos todos a oportunidade de fazer isso acontecer nas nossas próprias organizações!
Sobre o livro:
The KM Cookbook: Stories and Strategies for Organisations Exploring Knowledge Management Standard ISO 30401
Chris J. Collison, Paul J. Corney e Patricia Lee Eng. Facet Publishing, UK, 2019.