Este é mais um livro fantástico do Neil Usher. O tópico é crítico e a oportunidade é total. É uma leitura obrigatória para todos aqueles que lideram, gerem, sentem ou pensam iniciativas de mudança cultural.
Em 2018, Neil Usher publicou o seu primeiro livro: The Elemental Workplace. Como escrevi na altura, é um livro sobre a construção de fantásticos espaços de trabalho e sobre mudança. Nesse seu livro, Neil propõe um modelo que consiste em três momentos – “eu sei”, “eu sinto” e “eu farei”.
De alguma forma, Elemental Change dá continuidade, e explora o processo de implementar mudança num ambiente em constante mudança.
“We are therefore never in a state of being, we are always becoming.”
Trata-se de um livro sobre gerir e liderar a mudança com uma mentalidade de beta perpétuo (perpetual beta mindset). Foi escrito para todos os líderes, gestores e consultores de mudança: os três principais papéis em iniciativas de mudança.
As três partes do livro acompanham-nos pelos três estágios de uma iniciativa de mudança: a reflexão (porque é que estamos a fazer isto?), a preparação (como é que o vamos fazer?), e a ação (o que vamos fazer?).
O “porquê” é a infraestrutura da mudança e tem três níveis inter-relacionados: o universal, o global e o local. Eles estão a toda a nossa volta. Antes de avançar no percurso de mudança, é importante considerar os valores e o contexto que fazem parte desta infraestrutura.
O Neil acredita que “change is our very essence”. Apesar disso, a mudança é muito vista como algo negativo, a linguagem que lhe está associada está carregada de vocábulos negativos, e as pessoas tendem a ver a mudança como um peso.
Para conseguir fazer as coisas acontecer, os líderes e gestores da mudança precisam de trabalhar em conjunto para liderar e gerir (com poder e autoridade), influenciar e capacitar. Esta é a forma de ultrapassar os três principais tipos de oposição à mudança: a inércia, a resistência e a complacência.
Depois de pensar sobre o porquê da mudança e antes de efectivamente arrancarmos com esse trabalho, é importante reunir os seis componentes que constituem o sistema operativo da mudança: oportunidade, visão, evidência, liderança, confiança e recursos.
A “quantidade” destes seis componentes pode ser medida no arranque da iniciativa de mudança e novamente em momentos estratégicos do processo. O livro inclui um conjunto de questões para orientar este processo de medição.
Desta segunda parte do livro dedicada ao sistema operativo da mudança, destaco as secções sobre liderança e visão. A secção sobre evidência remeteu-me imenso para o livro Designing Knowledge, não pela duplicação de ideias mas pela sua complementariedade.
“change challenges trust at every turn”
A terceira parte do livro traz-nos a tabela periódica da mudança, com os seus nove elementos divididos em três grupos: estou informada (porque pensamos coisas), estou atenta (do inglês, engaged) (porque sinto coisas) e estou envolvida (porque faço coisas).
“Engagement creates a temporary bond, more a letter of intent – involvement cements this into a form of social contract.”
O livro termina em alta – o capítulo final – Close – é simplesmente “uau”!
As principais ideias que tiro do livro
Confesso que este é um daqueles livros em que foi difícil escolher os pontos principais, mas aqui vão alguns.
Sejamos realistas quanto à mudança
Todas as iniciativas de mudança começaram muito antes do que pensamos e vão continuar muito depois do que pensamos. De certa forma, somos peões cujo papel é reunir os recursos, o conhecimento e a oportunidade para que as pessoas se possam mudar a si próprias, ao seu próprio ritmo.
“change succeeds by degree, not in the absolute. Quite probably, accidentally.”
Adaptação ou Adoção
Ao que parece inspirado por uma conversa com Luis Suarez durante uma das edições da conferência Social Now, Neil Usher defende que apesar do generalizado uso do termo “adoção”, deveríamos ter como objetivo a “adaptação”. A adoção é reversível; a adaptação não é, é apenas um “passo na evolução” e algo que as pessoas fazem de boa vontade. “The preposition ‘to’ is the critical difference”, escreve Neil Usher. “We adopt x, we adapt to y. When we adapt it necessitates movement, our position changes.”
Isto fez-me pensar numa entrevista a Ravi Venkatesan em que o ouvi falar sobre como os seres humanos se adaptaram à sua envolvente sendo essa a razão para a nossa sobrevivência e evolução.
Ainda assim, e isto pode ser uma questão linguística ou cultural, mas eu vejo isto ao contrário. Se considerarmos a ideia de adotar uma criança: é algo que fazemos de boa vontade, e de coração aberto. Em face de uma grande crise, somos forçados a adaptarmo-nos mas não é algo que façamos por vontade própria e provavelmente voltaremos ao normal assim que possível. Basta ver como as pessoas já falam do regresso ao “trabalho normal” depois de ultrapassada a pandemia de COVID-19.
Agilidade
Neil Usher refere o “Manifesto for Agile Software Development” que, ainda que escrito para o desenvolvimento de software, encontrou eco noutras funções organizacionais. A abordagem ágil defende que a mudança é aceite, tratada e abraçada como parte inerente ao processo.
Incerteza
A incerteza não é equivalente ao caos, ao risco ou a um mau resultado.
“Uncertainty creates the opportunity for change.”
“We could view all this as daunting in terms of our chances of success when leading a change initiative. (…) Or we could see it as a pulsing energy, a natural movement that defies inertia. One that rolls over and around resistance, that creates untold possibilities, that feeds our desire to make things happen, that is with us.”
A visão
Formule a sua visão como uma questão – “While statements are inactive, questions are alive”. Defina a visão e os objetivos em conjunto porque eles serão os elementos estáveis durante toda a sua iniciativa de mudança.
SMART ou DUMB
Quando se trata de mudança, deverão os objetivos ser SMART – specific, measurable, assignable, relevant, time-bound – ou DUMB – dynamic, understandable, motivating, believable?
VUCA vs SCUL
São raras as apresentações que hoje se ouvem que não falem do mundo VUCA – volatile, uncertain, complex e ambiguous. O autor justapõe-o ao que ele chama de mundo SCUL – stable, certain, understandable e lucid.
O que é responsabilidade de todos é responsabilidade de ninguém
“[C]hange is no-one’s and yet everyone’s job. No-one’s because there isn’t a natural ‘department of change’ within an organisation (unless one has been specifically created). (…) Everyone’s because (…) we are all first leaders of change, and then professionals.” É uma situação desafiante e perigosa porque é demasiado fácil empurrar a responsabilidade com a barriga, procrastinar e deixar as coisas avançar sem estratégia ou orientação.
Isto parece-se muito com o que observo na área da gestão de conhecimento, onde muitas organizações desculpam a sua inação com o argumento de que a gestão de conhecimento deve ser responsabilidade de todos. Já estão a ver no que isso dá, certo?
Ser líder
No livro há uma tabela com recomendações sobre o que um líder de mudança deve e não deve fazer. Dessa tabela:
- admita quando está errado, não atribua culpas;
- faça perguntas, não dê opiniões;
- descubra, não assuma;
- oriente comportamentos, não crie regras;
- una e resolva, não divida e regule;
- abrace as possibilidade, não tema o risco.
Esta tabela devia ser um poster na parede mental que frequentemente bloqueia a entrada dos raios de liderança.
Neil Usher começou a pensar e a escrever este livro antes de a pandemia da COVID-19 apanhou o mundo de surpresa, forçando as organizações a profundas e rápidas mudanças.
Isto claramente uma daquelas situações em que as pessoas sentem a mudança como uma urgência: “we’re on a burning platform, mostly fictitious – change, or die (horribly) – so do whatever it takes and do it now. It ends up being frenzied and chaotic, but the objective is achieved despite the ridiculous proportion of effort to productive outcome. When it’s all done and celebrated, no one especially worries about that, believing that next time it’ll be different – better planned, more economical, less stressful. The underlying philosophy, printed onto the team T-shirts in Wham! sized letters is: ‘JFDI!’.”
Decidi partilhar este longo excerto por duas razões.
A primeira, porque é uma boa descrição do que tenho testemunhado agora com a pandemia: as organizações estão a mudar para acomodar o impacto inicial do teletrabalho mas não estão a usar a oportunidade para explorar mudanças mais estratégicas, nem como razão para se prepararem para uma nova crise.
A segunda, porque este parágrafo é um bom exemplo do tom bem-humorado, fácil e atrevido da escrita do autor. Na verdade, o seu sentido de humor e espirituosidade são um dos três aspetos que se destacam na escrita do Neil Usher. Os outros dois são o seu vasto e profundo conhecimento e a sua experiência prática de fazer aquilo sobre o que escreve.
Elemental Change está na minha lista de livros favoritos.
Nota: Este texto foi também publicado em inglês no Linkedin
Sobre o livro:
Elemental Change: Making Stuff Happen When Nothing Stands Still
Neil Usher. LID Publishing Limited, UK, 2020.