Unf*cking Work (Usher, 2022)

Unf*cking Work: How to fix it for good

“Everyone deserves a world of work that’s fair, supportive, developmental, caring, honest and rich in opportunity.” Isto aplica-se a nós, àqueles que à nossa volta não têm o luxo de poder escolher, e àqueles que irão integrar o mundo do trabalho depois de nós. É nosso dever lutar por criar “legados de virtude para quem se segue, libertando-os, e a nós, da mera viabilidade financeira”.

No livro Unf*cking Work, Neil Usher desconstrói doze frases comuns, propõe uma nova versão para cada uma delas e oferece passos práticos para que se consiga concretizar a visão acima descrita.

As doze frases:

  • O trabalho é algo que fazemos, e não um local onde vamos (“Work is something we do, not a place we go”)
  • O trabalho árduo nunca magoou ninguém (“Hard work never hurt anyone”)
  • Não temos uma cultura de culpa (“It’s not a blame culture”)
  • Confiamos nas nossas pessoas (“We trust our people”)
  • Somos um empregador que oferece oportunidades iguais (“We’re an equal opportunities employer”)
  • A cultura come a estratégia ao pequeno-almoço (“Culture eats strategy for breakfast”)
  • Se não está partido, não arranje (“If it ain’t broke, don’t fix it”)
  • O trabalho de equipa cria o trabalho ideal (“Teamwork makes the dream work”)
  • Se não podemos medir não podemos gerir (“If we can’t measure it, we can’t manage it”)
  • As pessoas são o nosso bem mais precioso (“People are our greatest asset”)
  • Somos como uma grande start-up (“We’re like a big start-up”)
  • Este é um lugar fantástico para trabalhar (“This is a great place to work”)

Cada uma das doze frases dá o mote a um capítulo.

A nossa relação com o trabalho é muitas vezes abusiva do ponto de vista psicológico e emocional. Não gostamos do trabalho – por vezes odiamo-lo – mas por muitas razões ficamos e aguentamos o abuso que muitos até acham ser uma característica inerente ao mundo do trabalho.

O trabalho está lixado e continuará a estar enquanto escolhermos continuar a ser cúmplices. “Nós não estamos presos numa fila de trânsito, nós somos trânsito.”

“We shouldn’t design better systems to try and force us to be better humans (…) we should become better humans such that we can design and develop better systems.”

O capítulo 3 olha para o elevado volume de trabalho, para o stress e a exaustão que isso causa, e para os danos que faz: desgastando relações pessoais, destruindo o nossa auto-valorização, destruindo as nossas oportunidades de progressão na carreira, e até prejudicando a organização. É fundamental que estejamos atentos e cuidemos de nós e dos outros.

“All too often the solution to perceived deficits in ability, flagging energy, distracted morale, even changing social norms, is training. We train for obedience, method, rules, protocols and we call the acquired acquiescence and techniques ‘skills’.”

O capítulo 4 é sobre como as estruturas hierárquicas ajudam à criação de uma cultura de culpa.

A culpa parece estar a toda a nossa volta no contexto do trabalho. Serve dois propósitos intrinsecamente relacionados: a denegrição e a liberação. Pode ser uma arma política, mata a inovação, geralmente é desproporcional no seu alcance e impacto, e está muito próxima do bullying.

Nesse capítulo, o autor explora algumas estruturas alternativas que, pelo menos em teoria, são menos prováveis de conduzir a uma cultura de culpa.

“Responsibility isn’t blame in softer shoes. It’s an active, organic creator of relationships.”

O capítulo 5 é mágico. Deveria ser uma leitura obrigatória para todos os gestores e profissionais de RH, e leitura recomendada para todas as pessoas que trabalham.

Foca na confiança, “possibly the most over-promised, over-promoted, under-delivered and evident workplace idea – as something we can identify and seek – of them all”.

O autor apresenta a confiança como algo que podemos usar (confiando em alguém), oferecer (mostrando que confiamos em alguém) e receber (aceitando a confiança de alguém).

“[T]rust underpins every aspect of human existence. Society is trust.” Infelizmente, “trust is difficult to build and easy to destroy, while mistrust is easy to build and monstrous to repair.” E quando não existe confiança, o local de trabalho enche-se de dúvida, o purgatório entre a confiança e a falta dela.

O capítulo 6 parece o menos sarcástico e bem-humorado de todos. Provavelmente pelo tema: igualdade e oportunidade no trabalho.

Apesar da discriminação se poder ancorar em muitas características, Neil Usher escolheu focar-se na (des)igualdade entre homens e mulheres. Para o fazer, ele convida-nos a considerar as pressões sociais, as condições biológicas e a discriminação contextual a que as mulheres estão sujeitas ao longo de toda a sua vida e a forma como tal se reflete também no trabalho.

“Very often people are hired for their difference and there remain because of their difference. An honest advertisement for such roles would shamefully say: ‘We need you for our stats but don’t expect to get anywhere.’”

O nono capítulo é um dos meus favoritos: é sobre trabalho de equipa.

A colaboração, a coordenação e a cooperação podem estar presentes nas equipas. Contudo, a primeira, a colaboração, só tem lugar quando não é obrigatória e as pessoas escolhem trabalhar juntas para criar algo.

Weekly team meetings, “[t]he ultimate exercise in just-in-case futility”.

No capítulo décimo, o autor discute a relação entre gestão e medição, e aponta 10 problemas com a medição: não é fácil, muitas vezes não serve para nada, autoalimenta-se, nunca conta a história toda, é usada como arma, legitima o medo como instrumento de gestão, aumenta o desinteresse, inibe a criatividade, está culturalmente errada, e não serve para compensar a falta de bons gestores.

“The un-measurable stuff still needs management. But a management that sets it free rather than constrains it. That allows it to flourish.”

O capítulo 11 é sobre gestão e desenvolvimento de pessoas. Talvez seja o capítulo mais cínico de todo o livro.

Muitas organizações dirão que as pessoas são o mais importante e que estão no centro de tudo. “While entirely noble it’s constantly at odds with the perpetuating need for members of the organization to ensure it survives its people.”

O autor refere que as pessoas tanto podem ser bens como fatores de risco, e que, em alguns setores de atividade, há bens muito mais valiosos que as pessoas. Diz também que as organizações se esforçam muito para reter o seu principal bem: as criações das suas pessoas.

No que diz respeito ao processo de avaliação de desempenho, o autor dá voz a muitas pessoas: “Our entire year’s effort is reduced to an evidence-scant subjective assessment, sometimes aggregated into a score – alpha or numeric – that affects progress, bonus, remuneration, opportunity and our sense of justice and self-worth.”

Ao olhar para o ambiente de trabalho, o capítulo 13 pode ser usado como uma lista do que fazer para melhorar cada fase da employee experience. Não convém porém esquecer de que somos nós o elemento mais importante da experiência de cada colaborador: “We all make it better for everyone else. The driver is the belonging. If we want to belong, we’ll make sure everyone does.”

O livro faz muitas alusões à utilização de narrativas: como veículos de cultura e instrumentos para inspirar novos comportamentos.

Apreciei muito a forma como o autor olhou para conceitos como significado e propósito, surpresa (unexpectedness), motivação, diversidade, diversão no trabalho, melhoria contínua, ativismo e reconhecimento.

O trabalho e a pandemia da covid-19

O livro foi escrito durante o primeiro ano da pandemia. Como tal, toca nalguns aspetos que resultam do diferente contexto de trabalho. Nomeadamente, a forma como simultaneamente contribuiu para questionar algumas práticas e exacerbar algumas outras.

Uma das primeiras considerações é que, na verdade, para muitas pessoas o trabalho, enquanto local, não mudou.

Há muitos anos as organizações perceberam que era muito difícil medir o output do “trabalho do conhecimento”. Assim, decidiram começar a medir o input: “the extent to which we were present, seen and heard”. Esta abordagem tem sido especialmente difícil de alargar ao trabalho remoto e é por isso que a celebração inicial de um regresso à gestão por output foi precoce e injustificada.

Essa abordagem requere gestores diferentes que não vão aparecer de repente. Como tal, muitas organizações começaram gradualmente a reverter para as suas práticas de gestão focadas no controlo, indo a extremos para monitorizar a presença (ou presentismo) das pessoas a trabalhar remotamente.

A pandemia deixou muito evidente a questão da confiança ou falta dela. “[A] beneficial grounding in trust can prepare managers for any challenges, including distributed working and variable workplace attendance. Trust is, after all, location-agnostic.”

Num ambiente distribuído ou híbrido em que muitas das conversas têm lugar online ficou mais evidente a necessidade imperativa da transparência.

Gostaria de ter encontrado algumas reflexões adicionais sobre a forma como as ideias apresentadas se traduzem num mundo de trabalho mais digital. Ainda assim, aqui e ali, podemos encontrar algumas. Como esta sobre trabalho híbrido no capítulo dedicado à confiança:

“The relative success of the year of remote working has proven that digital tools are adequate for many tasks. Yet this presents a further visibility challenge associated with ‘mixed mode’ patterns of attendance – a formally dressed version of ‘fear of missing out’ (FoMo), the sense that those present are far more likely to be in leaders’ eyelines and hence thoughts when it comes to involvement, rewards and promotion. This form of proximity bias has yet, at the time of writing, to be proven at scale, but it’s lurking.”

Os meus destaques

Sobre cultura

A estratégia é “what we’re going to do, why we’re going to do it, how we’re going to do it, when we’re going to do it and what we need to be able to do it.” Definir cultura é mais difícil. A habitual definição de que cultura é a forma como fazemos as coisas por aqui deixa transparecer algo que é estático. Diz o autor que talvez esta ideia seja intencional porque a mudança representa risco e a cultura não pode ser posta em risco.

A cultura de uma organização pode ser vista como um facilitador ou um limitação. “An organizational culture isn’t a closed loop, it’s integrated with its environment, feeding it and fed by it. It’s emergent rather than designed and organized; cajoled, prompted and challenged rather than maintained and upgraded; unpredictable and surprising, not expected and dry. Not an operating system then. At all.”

“Where the solution to anything at all is change management, it’s inherently flawed.”

Sobre líderes e gestores

“For many, fear is power and it’s directly proportional to their lack of ability.”

A gestão deveria ser o facilitador do desenvolvimento, da aprendizagem e do crescimento de todos na organização.

Mas as palavras não chegam: “the acts and omissions of leaders define the boundaries of what is acceptable within the organization”.

“[W]hen our idea gets biffed for a pile of emails and a monthly report and a compliance training session, it’s the ultimate proof of our irrelevance.”

Sobre comunidade

A ideia de comunidade surge em força neste livro: seja como a natureza do trabalho, como a mentalidade necessária para que floresçam estruturas auto-organizadas, ou como “local”.

“Work is by its very nature a community” onde as dependências mútuas são a cola que evita que as pessoas vagueiem livremente.

“[W]e must value ‘place’ in its broadest sense as both a physical and collective experience, the energy of community”.

Sobre watercoolers

O autor também dedica o seu olho crítico a um dos instrumentos elementares da gestão de conhecimento: o watercooler (o dispensador de água).

“The importance of these ‘watercooler moments’ – forgetting the fact that the device is usually stationed somewhere no-one wants to loiter for any longer than it takes to hydrate – has been massively overplayed. There is precious little evidence that they yield what the myth portrays, because unless trust already exists between the participants, conversations of the type imagined, with their open sharing of insights and ideas, don’t happen. That’s not to say that such an interaction may not prove to be the first tentative step toward a relationship that later proves fruitful.”

“In reality, the team is often a construct adept at enabling co-operation and co-ordination but an impediment to collaboration, which is more likely to occur between individuals from different teams or structures, or those floating between them. For the avoidance of any doubt, this doesn’t happen at the mythical ‘watercooler,’ it’s a much longer process principally comprising the progressive establishment of trust. It arises in opposition to its environment where it’s perceived to be acting as a constraint. It contains a healthy germ of rebellion which in turn is often the quality it needs to come to life. Somewhere in collaboration is a desire for freedom, a clawing from the cloying corporate cobweb, a sense that the product of the time and thought invested will be the opportunity to leave the tedium and oppression of the present behind.”

Xeno

Adorei descobrir o “xeno“, um termo inventado por John Koenig no seu Dictionary of Obscure Sorrows.

Definição do termo "xeno" no Dictionary of Obscure Sorrows de John Koenig

Tal como os anteriores livros de Neil Usher – The Elemental Workplace e Elemental Change – este está repleto de referências variadas que ajudam a contextualizar, explicar e ilustrar as suas ideias.

Ao contrário dos outros, Unf*cking Work torna-se, por vezes, uma leitura desconfortável. Fez-me questionar-me. Fez-me perguntar o porquê: porque é que trabalho e porque é que não consigo agir para mudar o que está mal.

Apesar de ter beneficiado dos contributos e provocações de Kirsten Buck e Perry Timms, Neil Usher diz ter escrito o livro para si. Isso talvez explique a agradável crueza da linguagem, o sarcasmo e acutilância das metáforas, e alguns parágrafos que podem ser um desafio para quem não domina a língua inglesa.

O seu sentido de humor, os seus comentários incisivos, e a sua perspetiva sem filtros são o pontapé que precisamos para ganhar coragem de apontar o dedo ao que está mal e começar a fazer alguma coisa para unf*ck work. Ainda que, como o autor sugere, comecemos por criar um “minimum viable workplace”.

Outra leitura obrigatória do fantástico Neil Usher.

Unf*cking Work (Usher, 2022) - capa do livro

Sobre o livro:
Unf*cking Work: How to fix it for good
Neil Usher. zer0 Books, 2022.

Leituras relacionadas

Ao ler este livro pensei muito nestes 3 outros:

Leave a reply