Neste primeiro episódio da série E falámos com Raquel Balceiro, Profissional Master na Área de Conformidade na Petrobras.
Nesta conversa, refere a forma como a gestão de conhecimento na Petrobras se posicionava como um serviço de consultoria a toda a empresa.
A paixão da Raquel pela gestão de conhecimento, a forma como vibra com os sucessos mas também a resiliência com que enfrenta as frustrações que pautam a vida de uma gestora de conhecimento, sentem-se em cada palavra. Com o orgulho na voz, contou-nos três experiências muito interessantes, inclusive com ganhos financeiros para a empresa.
Entrevista gravada dia 29 março 2023.
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Na Transpetro, tem pessoas lá dentro que fazem gestão de conhecimento enquanto fazem gestão. Já é uma coisa natural, uma coisa incorporada nos processos.
Raquel Balceiro
Sobre a Raquel

Raquel Balceiro é mulher, branca, cabelos e olhos castanhos, usa óculos, 52 anos, casada há 25 anos, sem filhos. Formada em Administração de Empresas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fez Mestrado e Doutorado em Engenharia de Produção pela UFRJ e especializou-se em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento pelo Centro de Referência em Inteligência Empresarial (CRIE-COPPE/UFRJ) e em educação transformadora – Pedagogia: fundamentos e práticas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atua como professora na Pós-graduação Lato Sensu em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento – MBKM, desde 2000, e como professora na Pós-graduação em Petróleo, Gás e Energia Renováveis do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP, em parceria com a Fundação Dom Cabral, ministrando as disciplinas de Gestão do Capital de Ecossistema, Mapeamento de Conhecimentos e Introdução à Gestão do Conhecimento.
Na Petrobras, atuou como consultora interna na Gerência Corporativa de Gestão do Conhecimento, de 2003 até 2011. Na sequência, implantou a gestão do conhecimento na Transpetro, subsidiária de Transporte e Comercialização de Óleo e Gás da Petrobras; e como coordenadora de Gestão do Conhecimento na Diretoria de Engenharia, Tecnologia e Materiais (de set/2012 a julho/2015). Atualmente, é profissional master na área de Conformidade, atuando com Compliance e Integridade, nos processos de Disseminação de Conhecimento, Colaboração, Formação e Desenvolvimento, Criação de Treinamentos em EAD e Microlearning, dentro da Academia de Governança e Conformidade.
O que associa à Gestão do Conhecimento

Livros
- Gestão do Conhecimento: A chave para o sucesso empresarial, de José Renato Sátiro Santiago Jr. Saiba mais
- Conhecimento empresarial – como as organizações gerenciam o seu capital intelectual, de Tom Davenport e Larry Prusak.
Filmes

- “The Intern”, com Robert De Niro e Anne Hathaway- deixa bem claro a importância da experiência na condução dos negócios e o papel do Mentor;
- “Apollo 13”, com Tom Hanks- a expressão criativa de um grupo de especialistas em ação, para solucionar um problema e trazer a nave e os astronautas de volta;
- “Perdido em Marte”, com Matt Damon- tem o mesmo mote do filme anterior, mas depende exclusivamente do conhecimento de um único especialista e revela a beleza que é combinar conhecimentos de diversas disciplinas;
- “Gênio Indomável”, com Matt Damon e saudoso Robin Williams- o destaque é para cena em que o mentor avisa ao seu aluno que não dá para saber tudo apenas por meio da leitura, que a experiência também é relevante na construção do nosso conhecimento.
Alguns trechos da entrevista
“A Petrobras naquele momento, em 2003, estava ávida por Gestão do Conhecimento, e nós éramos poucos, então fomos montando uma equipa e ao longo do tempo chegámos a ter uma equipa de 11 pessoas, mas mesmo assim a gente teve muito jogo de cintura para poder atender a organização como um todo. Porque a gente prestava consultoria para áreas aqui no brasil e também no exterior“
“A gente trabalhou dentro de uma filosofia de que as áreas, as pontas, as unidades de negócio, elas sabiam que elas precisavam e elas tinham bastante conhecimento também, porque ali naqueles lugares a gente tinha pessoas que estavam fazendo a formação. Então quando a gente se reunia, a gente trabalhava num formato de comissão, as pessoas vinham com as demandas, com os problemas mas também vinham com o rascunho de solução. Então a gente se esmerava em fazer um trabalho colaborativo, cooperativo para que fosse a melhor solução para aquela cultura e que atendesse, de uma certa forma, àquela ideia inicial que aquele profissional estava trazendo“
“A gente tinha como responsabilidade fazer a disseminação e a retenção do conhecimento desses profissionais que tavam se inscrevendo no plano na sequência de se aposentarem. A gente tinha uma série de mecanismos e ferramentas que utilizava para de alguma forma, reter esses conhecimentos e transformar esses conhecimentos em conhecimento organizacional“
“A gestão de conhecimento para mim, é um olhar da gestão para mais um ativo que é extremamente relevante, que é o conhecimento, que muitas vezes é visto por todos como um ativo de suma importância mas não é tratado com a devida urgência, muitas vezes“
“Dentro da Transpetro a gente começou a discutir com as pessoas, com os líderes e com os disseminadores de gestão do conhecimento das unidades, o que é que era urgente, o que era importante, o que a gente precisava de fazer, qual o nível de criticidade dos conhecimentos que eles precisavam para operar. A gente também constituiu, também trabalhou num modelo de comissões, a gente se reunia uma vez por mês, trazíamos questões para serem discutidas por todos. As demandas eram construídas, costuradas por meio de parcerias, entre os profissionais e as pessoas começaram a entender, que não bastava eu gerir as pessoas, não bastava gerir os meus equipamentos, os meus recursos, eu também tinha de gerir os meus conhecimentos para conseguir fazer com que aquela estratégia que eu havia previsto, fosse de fato, realizada e tivesse o sucesso esperado. Então muitas vezes eu dizia, eu quero estar atuando numa determinada região do país, mas o que é que eu sei daquela região do país? Ah não sei nada, então como vou atuar naquela região do país em tanto tempo se eu não sei nada? Então, antes de eu definir o que eu ia fazer como estratégia, eu tinha que pensar quais eram os conhecimentos e competências, que eu dispunha, que estavam à minha disposição e quais eu tinha de desenvolver para conseguir atingir aquela estratégia. Falando de uma forma sistemática, juntando as pessoas, promovendo eventos, trazendo especialistas para falar, as pessoas começaram a entender que precisavam incluir mais esse componente no seu mindset, na hora de pensar a gestão da organização“
“Hoje tem pessoas lá dentro, que fazem Gestão do Conhecimento, enquanto fazem gestão, já é uma coisa natural, já é uma coisa incorporada nos processos“
“A gente recebeu uma demanda do gestor da área, afirmando que eles estavam recebendo, uma quantidade enorme de multas por conta de interrupção de fornecimento de gás. Então a Transpetro, é uma empresa de logística, eles trabalham com distribuição de petróleo e de gás por meio de gasodutos e oleodutos e eles possuem uma frota grande de navios e terminais“
“Se você interrompe o fornecimento de gás por qualquer motivo, a operadora te aplica uma multa e isso tava acontecendo com muita frequência. A gente tinha uma quantidade de multas que a gente vinha recebendo, que a gente tava meio que tornando a situação do negócio um tanto crítica e o grande problema naquele momento era entender porque é que a gente estava tendo essas interrupções. Visto que a nossa operação era toda ajustadinha, que a gente tinha um grande centro de controlo desses oleodutos e desses gasodutos e que eles podiam monitorar remotamente, o que estava acontecendo com cada um dos gasodutos porque ainda assim, a gente continuava tendo esse tipo de interrupção. Então a gente começou a fazer a organizar uma série de workshops, que a gente começou a fazer com as equipas das unidades na ponta, aonde as pessoas de fato operavam aquelas válvulas de bloqueio, naqueles lugares, naqueles gasodutos. E a gente começou a entender porque é que tinha interrupção, a gente começou a entender onde tinha falhado na elaboração dos procedimentos, a gente começou a entender aonde a gente falhava nos problemas relacionados à manutenção, tudo isso utilizando aquela metodologia simples de levantamento de lições aprendidas. A gente fazia os workshops, dividia as equipas em dois, porque a operação podia parar então fazíamos dois workshops para cada grupo e com isso, depois de termos realizado 18 workshops, em vários pontos do país, a gente conseguiu reduzir num ano, o número de multas de 32 multas para 15. Isso a gente conseguiu quantificar, quer dizer, na economia foi a redução de um custo que a gente não sabia como solucionar. E de uma certa forma, esse valor foi caindo ao longo do tempo porque a gente foi entendendo, de que forma a gente precisava se aproximar da operação e melhorando o conhecimento que a gente gerava na área corporativa para oferecer para a operação. Isso foi tão bacano, foi tão interessante que a solução que a gente propôs foi tão simples que ele não acreditou e disse “Nossa, se eu soubesse que as coisas se resolviam com boas conversas, eu já tinha providenciado isso“
“Eu concordo com a professora Dorothy Leonard, que a gente deve planejar as nossas atividades para que as pessoas estejam sempre compartilhando e disseminando e registrando o seu conhecimento e deixar fazer isso para quando as pessoas estão próximas da sua aposentadoria, é algo que chega a ser um pouco cruel porque a gente não vai conseguir reter tudo e muitas vezes a gente não vai reter o que é o mais importante. Estabelecer uma sistemática, de gestão do conhecimento do dia a dia da organização, para que isso aconteça naturalmente, é uma estratégia melhor. Mas de fato não era o que a gente tinha, o que a gente tinha naquele momento, era pessoas que levando o conhecimento muito estratégico para a organização e muito crítico, lá na empresa a gente faz essa distinção, do que é que é estratégico e do que é crítico. O conhecimento crítico, a gente trata como aquele conhecimento que tem potencial de escassez, ou seja, eu posso perder e aí vai atrapalhar minha operação. O conhecimento estratégico, é aquele conhecimento que está hiper-relacionado à estratégia do negócio, mas eu posso ter conhecimento não estratégico que está apresentado potencial de escassez. Essas pessoas, elas iam saindo em 2 anos, então eu tinha 2 anos para fazer alguma coisa. Eu comecei a pensar, o que é que a gente vai bolar para resolver esse problema, visto que em algumas áreas a gente tinha sim essas ações sistemáticas de transmissão de conhecimento, mas em outras áreas não tinha nada. Então, a primeira coisa que a gente teve de fazer, muito rapidamente, foi um diagnóstico para entender como estava a situação de cada área. Se a área já tinha por hábito fazer um rodízio técnico, adotar mentoria, constituir grupos de trabalho, prover para os empregados palestras para aqueles empregados mais sêniores, para poderem contar as suas experiências nos projetos, se já estavam envolvidas com comunidades de prática, se já faziam algum tipo de treinamento no local de trabalho, ou se já utilizavam de alguma ferramenta de storytelling para falar sobre os projetos. Então a gente foi levantando, de todo o rol de práticas que a gente conhecia, o que é que as áreas já fazia e a gente foi analisando caso a caso. Para cada profissional a gente procurava entender quem era aquele profissional, qual era a complexidade do trabalho de aquele profissional, se atuava o tempo inteiro a trabalhar em atividades complexas ou rotineiras, se ele trabalhava mais sozinho ou se ele estava o tempo todo em grupo, participando em projetos com várias pessoas. Se o conhecimento com o qual ele lidava, era um conhecimento mais explícito, mais sistematizado, mais documentado, com procedimentos e rotinas ou se era um conhecimento mais tácito, e por fim qual era o tipo de tomada de decisão que aquele trabalho envolvia, se era uma tomada de decisão que era muito dependente do discernimento daquele profissional ou se era algo que ele simplesmente precisava de seguir dum livro (Aqui está escrito no livro, eu vou lá e faço). Então no momento em que a gente analisou tudo isso e isso foi muito inspirado num modelo trazido por Tom Davenport e pelo Laurence Prusak, a gente constituiu uma ferramenta, que foi oferecida aos gestores para facilitar a vida deles. Eles tinham lá, umas 25 perguntas que eles iam respondendo “Sim, Não” e no final a ferramenta dizia para eles, o seu empregado tem essas características, então as práticas que melhor se adaptam para o tipo de trabalho que ele faz são essas aqui. Então a partir daquilo, a gente conseguia construir um plano de ação e muitas vezes o empregado chegava para mim e dizia “mas eu já trabalho de mais, eu não quero fazer tudo isso”, aí quando ele vinha com esse tipo de reclamação, a nossa preocupação toda era repelir o empregado, a gente queria que ele compra-se as ideias que a gente estava propondo. Então a gente parava, olhava tudo o que ele já fazia, o jeito que ele que ele fazia, pedia para ele contar para a gente e ia fazendo as devidas adaptações do que a gente precisava que ele fizesse para o dia a dia dele, para que não se transforma-se num exagero de práticas que ele iria ter que cumprir até à aposentadoria dele“
“Hoje trabalho dentro da área de Compliance da empresa e dentro dessa área de Compliance, especificamente, a gente tem uma academia que é um braço da nossa universidade corporativa dentro da área e que busca desenvolver conteúdos relacionados à Compliance, à governança e a uma área nova que a gente adquiriu, que a gente constituiu há pouco tempo que é a privacidade de dados. Então a gente trabalha, desenvolvendo soluções de aprendizagem para as pessoas. De uma certa forma, a gestão do conhecimento, permeia todo esse trabalho, porque a gente faz identificação de conhecimentos críticos, por meio da nossa matriz de riscos, a gente faz um planejamento anual para definir quais são os temas que a gente vai abordar com as áreas. A gente tem um grupo de profissionais que são 300 profissionais que atuam nas unidades, que são os nossos agentes de integridade, que a gente tem de subsidiar com materiais para que eles possam levar para as suas áreas e disseminar o conhecimento para suas equipas. Então, a gente, produz muito material, produz microlearning, produz treinamento, produz EAD, para que essas pessoas entendam esses conceitos, dominem esses conceitos e possam disseminar esses conhecimentos para as suas equipes. É como se a gente fizesse uma grande curadoria de conhecimentos a partir de um mapa de conhecimentos que a gente construiu e fosse entregando o material pronto para essas pessoas. Mas também a gente se aproveita muito dos materiais que esses 300 indivíduos trazem para a gente e compartilham num grupo. E aí, assim, esse trabalho que a gente faz com eles, ele tem um formatinho de comunidades de práticas na qual há um fórum de discussão, aonde eles trazem questões, dúvidas, preocupação e demandas para a gente analisar ou para a gente discutir. É um lugar também onde a gente produz itens de conhecimento específicos para aquele grupo e aonde a gente compartilha conhecimento que também vem da ponta. Todo o mundo aprende com todo o mundo que é o maior barato. A gente fica encantado de ver que muitas vezes a gente ainda não tem a resposta e eles vêm já com a resposta para atender a um colega que colocou uma dúvida no nosso fórum”