O segundo episódio da série E, foi com Sara Sá Leão, Lead Knowledge Manager na Dynatrace.
Neste episódio, fala-nos de desenvolvimento organizacional e de avaliação da gestão de conhecimento.
Referiu o valor dos quick-wins e da importância da multiculturalidade para reduzir as zonas de cegueira de conhecimento. Para além disso, contou-nos como nem a falta de orçamento travou o sucesso de uma iniciativa de gestão de conhecimento no serviço a clientes de uma empresa em que trabalhou.
Entrevista gravada dia 14 abril 2023.
Sobre a Sara

Apaixonou-se pela gestão do conhecimento pelo seu potencial de extrair valor e inovação e de melhorar a colaboração entre as equipas. Tem mais de 15 anos de experiência em desenvolvimento organizacional nas áreas de comunicação, formação e condução da mudança em projetos multiculturais.
Adora aprender línguas para falar com pessoas de outras culturas na sua língua materna e fui co-fundadora de uma ONG que encoraja a dança, uma língua universal, que aproxima as pessoas.
Pergunta de um profissional de GC
Neste episódio, a Sara também responde a uma pergunta da Rute Viais, Knowledge Culture Manager numa multinacional alemã:
Qual é a pessoa mais difícil numa empresa, que encontrou, de convencer que a gestão de conhecimento era uma coisa importante? Foi mais difícil de explicar à pessoa que está nas operações ou mais difícil de explicar ao diretor que aquilo é importante meter?
O que associa à Gestão do Conhecimento

Édipo Rei de Sófocles, porque demonstra de forma sublime as “zonas de cegueira” do conhecimento de cada personagem.
Porque é que eu gosto do Édipo Rei? Porque mostra essas zonas de cegueira. Se nós pensarmos de forma semelhante temos as mesmas zonas de cegueira.
Sara Sá Leão
Trechos da entrevista
“A gestão de conhecimento eu diria que antes de mais, é uma tomada de consciência que há um ato invisível nas organizações que é o conhecimento. A partir daí há uma série de técnicas, talvez há muita arte também para garantirmos que conseguimos capturar, partilhar e reutilizar esse conhecimento, de forma a acrescentar valor e de forma sustentável e também de forma a isso contribuir para a melhoria contínua e inovação das organizações”
“Quando se explica o que é, imediatamente as pessoas aderem e querem participar, pelo menos essa é a minha experiência. Isto é fulcral porque sabes que não dá para fazer gestão de conhecimento sendo só uma equipa que vai tratar disso, toda a gente tem que estar envolvida e precisamos de uma rede de pessoas em cada área que sejam os embaixadores ou até que, trabalhem em part-time para a gestão de conhecimento na área deles, ou full-time.
Nesse sentido, eu acho que já há consciência da necessidade, penso que há menos consciência de que é uma área profissionalizada que realmente vale a pena ter profissionais, dedicados dentro de uma empresa e que às vezes não é necessário ter uma dimensão enorme para o fazer e que vale a pena investir desde o início de uma empresa”
“Evidentemente eu vou primeiro perguntar quais são os objetivos dos managers que me estão a contratar. Muitas vezes isso não está muito claro, eles têm a noção de que precisam de algo, portanto melhoria do onboarding e depois da continuidade da passagem de conhecimento ao longo do tempo. Eles muitas vezes não têm as coisas claras e até hoje nunca ninguém me deu um KPI que queriam precisamente melhorar e o que eu faço é falar no geral com as equipas diretamente e com os gestores de primeira linha.
Começo então a perceber quais são as questões fulcrais naquele projeto, por exemplo. Há projetos em que se chega e que toda a gente captura conhecimento, mas não de forma organizada; há projetos que as pessoas não têm o hábito e resistem muito a capturar conhecimento; e depois existem outras situações diferentes. Eu vou começando então a mapear isto, mapear quais são as questões principais que temos que trabalhar e também, ao mesmo tempo, isso vai-me permitindo já fazer alguma gestão da mudança, porque enquanto eu faço entrevistas, faço focus groups e faço workshops, etc, eu já estou a fazer com que as pessoas estejam a ter poder para participar, a ter mais consciência das questões que há, a fazerem brainstorming de soluções e portanto quando for implementar, é tudo muito mais rápido porque toda a gente participou.
Há um momento então em que, já tínhamos falado nisto noutras ocasiões, em que é necessário ter aqui alguns sucessos para as pessoas se entusiasmarem e não ficarem desalentadas com todo o trabalho que há para fazer. Os quick-wins. E eu procuro aqui inserir alguma coisa que dê esperança às pessoas e que vejam: vamos poder trabalhar de forma diferente, isto vai resultar, o nosso investimento tem sentido. A partir daí, já posso começar a trabalhar de uma forma mais orientada para a visão final que temos realmente.”
“O meu objetivo é rapidamente tornar o projeto autónomo e que eu não seja necessária e que depois se possa trabalhar em níveis de maturação diferentes, mas que cheguemos a um ponto em que toda a equipa tem consciência do que é o conhecimento e do que é a gestão de conhecimento, que haja já alguma base de conhecimento que possa ser usada. Mesmo que não haja muito budget para ter uma ferramenta fantástica dessas muito modernas mas que há algo que funciona, há um processo, há uma ferramenta que funciona ou há várias que respondem às necessidades e depois também que isso seja integrado na formação inicial, que isso seja integrado nos KPIs dos projetos, que seja seguido pelos managers, etc e a partir daí, eu posso sair logo ou posso continuar e começarmos a trabalhar. Por exemplo, em inovação e como é que fazemos uma pipeline de inovação, vamos extraindo do próprio conhecimento e trabalhar em coisas mais complexas que tragam mais valor, também à organização”
“Eram cerca de 13 pessoas no projeto mas havia cerca de 30 produtos e 8 línguas. Então imagina a complexidade de gerir isto e também de garantir que há alguém presente que tenha o conhecimento e que consiga manter este conhecimento, ainda por cima como nós sabemos, o conhecimento altera-se ,nalguns projetos, o conhecimento altera-se diariamente, noutros é um pouco mais lento, neste eu diria que pelo menos todos os meses havia alguma atualização a fazer.
Era necessário, obviamente, envolver os chefes de produto que teriam o conhecimento e que havia alguns que tinham um manual sempre atualizado fantástico e havia outros que raramente falavam sequer com as pessoas e, permite-me dar um contexto que falhei no início, eram pessoas que estavam em contacto com clientes, portanto serviço a clientes, pessoas que precisam de respostas rapidamente e que têm de ter uma certa autoridade nessas respostas e que portanto, têm aqui uma componente de eventualmente algum stress no contacto e de alguma rapidez em adquirir o conhecimento.
Aquilo que eu fiz foi falar com um manager e primeiro garantir que haviam 3 pessoas por área de conhecimento ou língua, porque realmente isso, às vezes as pessoas pensam que é tudo muito etério, no conhecimento mas há coisas que são muito logísticas e muito básicas, é que tu precisas das pessoas têm o conhecimento, o conhecimento só é válido se está na cabeça de alguém e portanto, garantir que havia sempre 3 pessoas até para reduzir também esse stress que havia na altura nalgumas pessoas por saberem que eu sou a única pessoa que tem este conhecimento, etc. Depois houve um trabalho então, uma vez mais com toda a equipa, em que foi perceber quais eram os momentos em que ficavam mais aflitos para o conhecimento mais importante, etc e com eles eu construí então uma solução, nós não tínhamos budget nenhum, fizemos em Open Excel.
Então, um dos problemas do projeto era sazonal, então tinham um momento em que as pessoas não tinham muito trabalho e por motivos de segurança não podiam estar a fazer outras coisas e então aborreciam-se, então eu pedi para usar aquele tempo para reverem os contactos dos últimos 3 meses, em que tinha sido a época alta, eles estiveram a fazer a revisão dos contactos ao mesmo tempo que iam pondo, lá está num Excel aberto e partilhado, os contactos dos clientes por perguntas. Depois de termos as perguntas tipificámos para criar perguntas tipo sobre aquele tema e ao mesmo tempo eles iam pondo a frequência, então ficámos com uma base de dados com todas as questões dos clientes ordenadas pela frequência.
A partir daí eles trabalharam juntos para criar as melhores respostas, traduziram em várias línguas, criaram templates de email, pontos importantes como se fosse uma conversa telefónica e passaram a ter ali não só uma base de dados de resposta rápida em que eles tinham até depois links para a documentação ou para troubleshooting se fosse necessário, como ao mesmo tempo, como eles iam atualizando a frequência desses casos, nós tínhamos logo a formação inicial já feita. E houve uma grande adesão da equipa, houve uma mudança e positivismo, houve uma dinâmica diferente porque eles deixaram de ter aquele momento menos entusiasmante no ano em que não podiam trabalhar porque passaram a fazer revisão do conhecimento e houve uma melhoria da qualidade e do tempo de formação. Para mim é um projeto que eu sinto que realmente ajudámos muitas pessoas e que se tornou um projeto muito mais sustentável também para o cliente”
“Eu sinto a necessidade não só para vender o projeto, para pedir meios, eu acho que é muito importante ter realmente uma noção do valor que criámos para depois podermos obter mais meios mas eu sinto a necessidade também para medir, que eu falei-te deste projeto que apesar de ser pequeno tinha bastante complexo. Mas eu, neste momento, estou numa empresa com mais de 4000 pessoas e portanto torna-se impossível a tomada de decisões baseadas simplesmente em retorno qualitativo e uma certa intuição que se calhar está a analisar os dados de forma inconsciente.
Eu preciso realmente de dados para tomar decisões e contrariamente, eu acho que há uma certa ideia pré-estabelecida, não só em gestão de conhecimento mas em muitas áreas que são intangíveis ou mais humanas, que não se pode ter ou não se tem KPIs para gerir, é uma questão pensar realmente de outra forma.”
“Se não há KPIs, pelo menos usar medidas em que se pode verificar o conhecimento das pessoas e também a sua confiança, porque a confiança afeta muito a motivação e é uma medida importante. Às vezes as pessoas podem ter muito conhecimento e estarem convencidas que não têm ou vice versa, portanto eu gosto de medir esses dois aspetos”
“Nós temos uma equipa, temos um projeto, então é criar, para já, o sentimento de pertença através da missão que temos de realizar juntos, criar entusiasmo por essa missão e ao criar essa identidade, nós vamos criar uma cultura própria daquela equipa, que vai ser certamente composta por elementos de pessoas que lá estão, elementos individuais e elementos culturais deles e ao valorizarmos a individualidade e a cultura de cada um, vamos definindo também o que é a nossa cultura, a cultura daquela equipa, a cultura daquela empresa, daquela organização e isso é que é importante na multiculturalidade.
Cada um vai trazer soluções diferentes, portanto temos mais ferramentas para lidar com obstáculos possíveis e o objetivo da biodiversidade é também esse e ao mesmo tempo vamos poder criar a nossa cultura. Portanto, a questão, há muita gente que coloca: mas há diferenças culturais? Certo, se houver, por exemplo, só duas culturas e houver muita gente de cada uma ou houver pouca de uma ou de outra, por exemplo, pode haver desentendimentos e é preciso trabalhar muito ativamente nisso se, de facto, for multicultural a partir daí é mais criar uma cultura própria em que cada um trás do seu e em que cada um pode contribuir”