No penúltimo episódio do podcast KMOL, falámos com Teresa Nora, responsável pelas áreas de Gestão do Conhecimento, Formação e Marketing no escritório da Linklaters em Lisboa.
Falou-nos da forma como a empresa encoraja a passagem de conhecimento entre projetos: através de ações de formação e partilha, da disponibilização de plataformas, promovendo um misto de documentação de conhecimento e da passagem de conhecimento diretamente de pessoa para pessoa.
A Teresa falou-nos de dois chavões que a sua empresa utiliza para encorajar a partilha de conhecimento – “Dare to Share” e “Steal with Pride” – e de algumas iniciativas que promovem exatamente essa passagem de conhecimento de uns projetos para os outros.
Entrevista gravada dia 24 abril 2023.
Acima de tudo [a gestão do conhecimento] é um processo dinâmico. Não pode ser uma coisa estanque, fechada.
Teresa Nora
Sobre a Teresa

A Teresa é responsável pelas áreas de Gestão do Conhecimento, Formação e Marketing no escritório da Linklaters em Lisboa, cobrindo todas as áreas de prática e setores de atividade do escritório e assegurando que todos os serviços de Gestão de Conhecimento, Informação & Pesquisas (Information & Research), Formação & Desenvolvimento Pessoal (Learning & Development), Desenvolvimento de Negócio, Marketing e Responsabilidade Social sejam prestados com a máxima qualidade a todas as áreas de prática e clientes.
Tem também a responsabilidade pela área de Risco e Compliance em Lisboa e pertence à equipa de gestão do escritório de Lisboa, impulsionando a estratégia e apoiando ativamente o Managing Partner e todos os sócios da Linklaters em Lisboa em assuntos de administração e gestão do dia-a-dia do escritório. Para além disso, integra a equipa da Europa, gerindo projetos estratégicos e iniciativas que envolvam várias funções e áreas em toda a região europeia. Por fim, colabora de perto com todos os projetos de Innovation & Efficiency, intimamente ligados à área de Gestão de Conhecimento.
A sua função é ser o elo de ligação entre várias pessoas, várias funções, várias áreas. Por isso apresenta-se normalmente com a indicação de que a sua missão passa por ligar todos os pontos (“connecting the dots”) por forma a que o resultado final seja útil, consistente, mais eficiente e, sobretudo, que faça sentido para a organização.
Pergunta de um profissional de GC
Neste episódio, a Teresa também responde a uma pergunta da Laura Henriques, responsável pela Gestão de Conhecimento e da Mudança na área de Gestão de Inovação na ANACOM:
Que ferramentas utilizas nas tuas atividades de Gestão de Conhecimento?
O que associa à Gestão do Conhecimento
A construção de um LEGO.

- Em primeiro lugar, porque há um processo de construção e todas as peças e etapas contam: qualquer bocadinho de conhecimento é útil e deve ser colocado no lego e, se for feito de forma estruturada, ainda melhor;
- Em segundo lugar porque quando constrói legos segue sempre as instruções, mas os meus filhos gostam sempre de acrescentar uma peça – e por que não? Também na gestão do conhecimento podemos seguir o processo à risca, mas sem nos privarmos de acrescentar mais alguma coisa que nos pareça acrescentar valor no final (é um processo estruturado, mas aberto a outras ideias e sugestões).
- Em terceiro lugar, porque o resultado final pode sempre ser construído novamente e ser utilizado para várias coisas – tal como podemos restrutura e reutilizar o conhecimento que existe e está disponível para outros fins ligeiramente diferentes do intuito inicial da construção.
- Em quarto e último lugar – last but not least – porque é (e deve ser) divertido: seja pelo processo em si, seja pelo resultado final que alcançarmos.
Trechos da entrevista
“A gestão do conhecimento é um serviço que prestamos a uma organização. E portanto isso pode mudar bastante não só da perspetiva a quem oferece esse serviço às outras pessoas da organização, como quem usufrui e utiliza esse serviço que pode ser diferente de pessoa para pessoa: há pessoas que valorizam mais umas coisas e há pessoas que valorizam mais outras.
Eu costumo dizer que é, para mim, o mais importante na gestão do conhecimento é ter uma cultura de partilha de conhecimento e de interesse na matéria e portanto a melhor maneira de o fazer é adaptar o processo ao utilizador. Portanto se a pessoa quiser acrescentar alguma coisa que, para si, foi particularmente útil quando trabalhou um tema, acho ótimo que se altere o processo por forma a incluir isso, porque isso vai fazer com que a experiência de utilizar o conhecimento seja muito mais próxima do utilizador e se calhar se é daquele utilizador também pode ser de muitos outros que pensam da mesma maneira. Portanto enriquece o processo.
Acho que temos de ter alguma estrutura claro, temos de ter algum processo para sermos eficientes mas também é importante dar esta margem para que haja uma pergunta aberta, no fundo ‘então e para ti, o que é que foi de facto determinante neste processo, o que é que de facto acrescentou valor, o que é que destacarias?’, porque isso é que nos permite depois ir ajustando os procedimentos e o conteúdo aos utilizadores que a organização tem e que vão, no fundo, ser aqueles a quem esta informação se destina.”
“O facto de termos uma informação minimamente estruturada que lhes permita ter uma informação de base, ajuda as pessoas a poupar imenso tempo e também, do ponto de vista de risco, a sermos mais consistentes no serviço que prestamos. Se eu de repente começo a investigar uma questão e não estou a ver um ponto que é essencial na análise daquela questão, se eu tiver uma informação de base isso já me ajuda a guiar a minha pesquisa e portanto, também a fazer uma pesquisa mais direcionada, sendo sempre crítico. Claro, também ajudamos as pessoas a olhar para estas informações sempre com a perspetiva crítica de que se virem aqui alguma coisa, que não está correta ou que também será importante na análise desta questão ‘não deixem de nos dizer’.
Mas é um bocadinho esta cultura de partilha de conhecimento de aquilo que eu tenho, do conhecimento que vou adquirindo com a minha experiência, devo pôr em comum com a organização porque outras pessoas beneficiarão disso; e de utilizador, que é eu também quando precisar de alguma coisa vou saber onde vou beber esse conhecimento, à experiência dos outros, àquilo que os outros fizeram, àquilo que já foi feito no passado, àquilo que está a ser feito neste momento e isso vai enriquecer o meu trabalho e vai permitir que eu faça um trabalho melhor.”
“Lembro-me que há uns anos havia muita resistência de fazer essa partilha de documentos porque as pessoas pensavam ‘ah pode ser que alguém os utilize erradamente ou abusivamente’ e de não haver esta confiança de que aquilo que eu estou a partilhar com a organização é para ajudar. Portanto é sempre numa perspetiva positiva de enriquecer o nosso acervo documental, a nossa experiência, o nosso know-how. E acho que ao longo do tempo isso tem vindo a ser espelhado em dois grandes chavões que usamos muito, sobretudo na equipa da Europa, que é o ‘Dare to Share’ e o ‘Steal with Pride’.
Acho que tudo o que pode ser partilhável, tudo o que foi útil para nós, devemos ter a ousadia de partilhar com os outros, porque pode ser útil para os outros também: portanto não termos medo de partilhar, não termos vergonha de dar ideias e de participar nos processos. E também não termos medo de roubar com orgulho porque se alguém já testou uma solução noutro país ou noutra jurisdição, noutro escritório e que funcionou lá com sucesso, porque é que não experimentamos aqui também? Porque é que não usamos isso?
Às vezes somos um bocadinho tímidos a partilhar e também tímidos a usar as ideias dos outros porque não são nossas e temos aí alguns pruridos em fazê-lo e na verdade é isto que constrói esta cultura de know-how, esta cultura de conhecimento: é aprender e dar a formação aos outros para que os outros também possam aprender e dar formação aos seguintes e assim passar de geração em geração, de equipa para equipa, de função para função, para que todos possam fazer um trabalho melhor.”
“Temos essas métricas de consulta de documentos, mas sobretudo aquilo que eu vejo e que tiro como maior indicador da utilização do conhecimento é as pessoas começarem a partilhar. Portanto quando começam a utilizar e a ter benefício na sua utilização, é também quando começam a partilhar mais porque sentem na pele a utilidade da informação que lhes chega e portanto, depois já me partilham um documento a dizer ‘olha enviaste-me um memorando sobre um determinado tema de direito e foi muito útil para um trabalho que fiz sobre um tema conexo, aqui vai o documento que eu produzi para memória futura’. Portanto, isso para mim é o maior resultado positivo desta partilha de conhecimento que é pegarem nalguma coisa que já está feita de base e com base nisso criarem mais conhecimento e partilharem-no connosco outra vez para que possa, no fundo, continuar essa cadeia.”
“A formação é aquilo que nos permite não só passar o conhecimento de uns para os outros mas também garantir que esse conhecimento é sólido, é bem estruturado e as pessoas têm aquilo que necessitam e a formação que necessitam para desempenhar a sua função.”
“Se nós tivermos um conhecimento bem organizado isso permite-nos também prevenir muitas questões de risco, porque permite-nos que as pessoas não se esqueçam de temas laterais que podem ser relevantes para aquele problema ou que não haja um advogado a dar uma opinião num sentido e outro advogado a dar uma opinião noutro sentido sem que falem um com o outro e vejam qual é a melhor solução para o problema se tiverem opiniões divergentes. Portanto permite que as pessoas comuniquem e sejam consistentes na abordagem que seguem perante os seus clientes.”
“A certa altura no marketing começou a surgir a ideia do thought leadership, ou seja, de no fundo utilizarmos temas jurídicos e, portanto, conhecimento técnico para promover os nossos serviços junto dos clientes. Portanto começou a surgir a tendência de fazermos relatórios sobre um determinado tema, pela sua relevância naquele momento específico do mercado ou pela sua relevância jurídica porque ia haver uma operação legislativa, e prepararmos conteúdos técnicos que pudéssemos promover junto de clientes para chamar a atenção que nós já tínhamos estudado o tema e sabíamos sobre esse tema. Foi aí que comecei a trabalhar um bocadinho com o marketing e a perceber que há aqui todo um feixe de serviços, que nós chamamos o client K&L, em que no fundo trabalhamos os conteúdos, por forma a que não sejam conteúdos pesados, demasiado jurídicos com um vocabulário muito técnico e que tornamos os conteúdos um bocadinho mais apelativos, fazendo com isso algum marketing de serviços e promovendo, assim, os serviços para o cliente.”

“Nós tínhamos uma base de dados de todos os assuntos em que tínhamos trabalhado que era, na verdade, uma base de dados alimentada por o Knowledge e que ninguém usava muito no Knowledge porque, enfim, estava lá aquele repositório de informação, para que cliente tínhamos trabalhado, em que ano e que tipo de assunto é que foi.
Quando, a certa altura, comecei a trabalhar também no marketing, percebi que isso não só era a plataforma por excelência para conseguir ter, no fundo, uma listagem de toda a nossa experiência num determinado assunto, portanto, se alguém nos pedisse uma proposta ou uma apresentação sobre um determinado tema, conseguíamos facilmente encontrar em que outros assuntos tínhamos trabalhado, quem é que tinha trabalhado nesse assuntos pelo mundo inteiro, e era à distância de um telefonema que conseguíamos ligar para um colega na Alemanha a saber ‘olha, vi que trabalhaste neste assunto há dois anos, estou agora com um tema parecido para um cliente, bem sei que estás na Alemanha e eu estou em Portugal mas que conclusões é que retiraste na altura? Como é que as coisas funcionam aí?’. Depois tirar as minhas conclusões sobre o que é que poderia funcionar aqui também, quais foram os entraves que eles tiveram e que eu posso também antecipar. E, portanto, mais do que propriamente ter um conjunto de documentação sobre como é que uma determinada questão se deve resolver, porque para isso também temos os livros e a doutrina, como é que um tribunal olhou para este caso que também é importante, eu tenho aqui a experiência do que é que foi tratar de um problema semelhante noutro país e o que é que eu posso aprender com isso. No fundo, as lições que podemos retirar destes processos. e isso do ponto de vista de prevenção, de antecipação de questões, é mesmo muito relevante conseguir. Ou seja, não cometer os mesmos erros, conseguir antecipar questões que surgiram e conseguir, se calhar, avançar com soluções que já foram testadas.”
“Uma coisa que implementámos aqui no escritório já há alguns anos e que eu acho que tem muito mérito nisto, é uma espécie de formação que não é bem uma formação, chamamos os Deal Debriefs. Portanto, quando alguém tem um caso ou uma transação que foi particularmente difícil porque exigiu uma solução inovadora ou levantou uma questão jurídica que nunca antes se tinha levantado, fazemos aqui umas pequenas sessões para apresentar a todo o escritório quais foram os desafios que se colocaram naquele assunto e como é que os resolvemos, quais foram as dificuldades que surgiram e como é que as ultrapassámos.
Isso ajuda-nos a perceber, primeiro, que há imprevistos – faz parte do nosso trabalho e temos que gerir; quem é que trabalhou no assunto e quem é que tem experiência no assunto para eu poder ir pedir ajuda, portanto é uma forma informal de eu conseguir perceber quem é que tem a melhor experiência sobre o assunto porque a viveu na pele; e permite-nos também aprender com o que é que este assunto trouxe de inovador e em que outras circunstâncias eu posso usar essas ideias e essas sugestões no futuro.“
“Incentivo imenso a minha equipa a ir a formações e a ir às reuniões de departamento. O ir às reuniões de departamento, embora estejam a observar, conseguem perceber se alguém está a trabalhar num determinado assunto e se outra pessoa precisar de ajuda para um tema semelhante, pôr essas pessoas em contacto. Portanto aquilo que às vezes possa parecer uma ineficiência, na verdade é ter a visão de conjunto – é permitir que as pessoas se foquem nos assuntos em que estão a trabalhar e que alguém está por eles a ter essa visão de conjunto e a pô-los em contacto com quem elas precisam.”
“Também é preciso alguns mecanismos de incentivo. Aqui na nossa organização o knowledge and learning é uma atividade muito importante e muito estratégica e há, no fundo, uma avaliação. No processo de avaliação de desempenho há uma componente que diz respeito à contribuição de cada um para esta área. E isso depois reflete-se também no bónus das pessoas numa forma lateral mas tem esse reflexo. Portanto tudo isto ajuda a criar cultura.”